Chapter LXIII

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Episode: you and I drink the poison from the same vine

Sentado em seu sofá, com o tronco inclinado para frente e os cotovelos apoiados em seus joelhos, Suppasit encarou o piano fechado em sua sala. Passeou seus olhos pela madeira envernizada, com sua superfície lisa e provavelmente acumulando poeira dos últimos dias em que mantivera-se intocada, pensando se, por ventura, algum dia conseguiria tocar da mesma forma que se acostumara ao longo da vida.

Sunnan, seu terapeuta, havia persistido – além do que lhe era comum – naquele assunto durante a última conversa. Questionando ocasionalmente o motivo do músico não sentir a necessidade de tocar, quando aquilo sempre fora seu ponto de escape durante todos os seus momentos difíceis.

Mew não sentiu-se disposto a conta-lo sobre  a profundidade da sua relutância, não quis submergir-se em sua própria mente a procura de respostas que talvez não fosse capaz de suportar. Quando Sunnan lhe indagou sobre o porquê dele não buscar apoio em suas cores, em seu azul, Suppasit não ousou mencionar a cor da voz do jovem professor.

Não quis expor, em voz alta, aquela coincidência cômica que o universo pôs-se a oferta-lo. Não quis admitir quão intensamente havia entrelaçado sua alma a dele, amarrando a si mesmo com um corda densa que fumaçava um ar índigo e profundo, que o sufocava até levá-lo ao encontro da morte.

Gulf Kanawut era veneno.
Seu azul era como o céu noturno, correndo por suas veias e transformando-o em um poço enevoado que estava em um lento declínio.

O músico inclinou-se para trás, balançando a cabeça numa tentativa falha de expulsar os pensamentos conturbados que comprimiam sua garganta, como se milhares de mãos estivessem em volta do seu pescoço, sufocando-o vagarosamente. Ele inspirou o ar lentamente, concentrando-se em encher seus pulmões, mas seus olhos permaneceram fixados no instrumento intocável na extremidade do cômodo.

A pouca luz deixava-o parecendo morbidamente abandonado e inalcançável. O músico sentia a estranha sensação de que não haveria uma única nota que pudesse soar com a afinação correta. Que as cores sairiam desbotadas e erradas, emanando o lugar com seu enfraquecimento.

Chegava a ser patético pensar que, além da quebra de confiança e toda dor que havia causado, Gulf Kanawut também havia tirado a única forma que o músico usava para manter-se sã.

Afinal, quando se colocava em frente aos seus instrumentos, quando criava suas melodias, Suppasit os usufruía para se refugiar de tudo que era externo. Ele se reconhecia nas notas, enxergava-se nas cores, conseguia limpar a mente e as entender plenamente. Mew Suppasit era música. Era cada cor e cada nota.

Para ele, apenas fechar os olhos quando sentia-se perdido e tocar era o suficiente. Era uma constante, algo que sempre esteve lá, que ninguém poderia lhe tirar. Seu azul brilhava mais forte, fazendo-o se encontrar no meio de todas as cores bagunçadas.

Mas, por uma brincadeira maldosa do destino, seu porto seguro agora era o que também lhe machucava.

Mew fechou os olhos, mais uma vez, suspirando ruidosamente ao sentir um borbulhar embrulhar seu estômago.

As vezes, desejava poder gritar. Colocar para fora toda a frustração e inquietação.

Queria gritar.

Queria tocar.

Lembrou-se das conversas que costumava ter com Sunnan. Do quanto o terapeuta reforçava a necessidade de nunca colocar tanto poder sobre algo – ou alguém – da necessidade de distribuir suas bases de equilíbrio igualmente para que pudesse ter suporte, no caso de um se quebrar. Mew tinha estruturado sua estabilidade emocional nos amigos, nos pais, mas estaria mentindo se dissesse que tudo era repartido igualmente.

The Blue Of Your Voice • Fanfic MewGulfOnde histórias criam vida. Descubra agora