Chapter LXXVII

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Episode: those eyes

Kanawut piscou algumas vezes, deitado sobre a cama com seus olhos pesados por causa de outra noite sem dormir. Sentiu o lençol abaixo do seu corpo, quente do próprio peso e completamente desarrumado. Talvez fosse um reflexo do seu caos pessoal, um externo de tudo que vinha de dentro, um descontrole que o perseguia no ar, no vazio e na densidade da matéria que o rodeava.

Ele encarou a escuridão do lugar, forçando sua visão a se acostumar com a pouca luz e suprimindo a realidade de outro dia começando, sincronicamente com a tentativa de livrar-se da sensação carregada que o fazia de detento, um cativeiro fadado ao seu respirar.
Estava acostumado com isso, claro, mas não o livrava do cansaço de conviver sob sua própria existência. Havia tido muitos pesadelos desde a ilha, sonhos e sensações que o atormentavam até quando deveria descansar e esquecer do resto. E eles pareciam piorar com as recentes mudanças no relacionamento – não tinha certeza se podia chamar aquele avanço de relacionamento novamente, mas não conseguia pensar em palavra melhor para descrever tudo que vinha acontecendo.

Com uma respiração profunda, ele levou as mãos ao rosto, lentamente descendo os dedos para dedilhar o colar que descansava delicadamente em sua clavícula. Sentiu o material frio e fechou os olhos, relembrando pela milésima vez a tarde do dia anterior. Concentrou-se no cheiro do músico, que após semanas, finalmente pôde sentir de perto; em seus olhos imperturbáveis que o encaram com intensidade sem hesitação – Suppasit tinha evitado fita-lo fixamente com tanto empenho que, ser objeto de seu escrutínio novamente, era estranhamente reconfortante, apesar de também desconfortável – ele concentrou-se até na lembrança de sua voz plana e serena, naquela pausa que fazia antes de falar, na cadencia de como expressava suas palavras.

Gulf quase podia ouvi-lo naquele momento, cada detalhe, cada som e cada fragrância do seu cheiro.

Outra respiração difícil saiu dele, ao passo que reabria os olhos e sentia um aperto fechar-se em seu coração como uma mão de ferro esmagando-o impetuosamente.

Sua mente era um barulho constante. Não vozes, pelo menos não daquela vez, apenas um tic-tac repetitivo que o deixava com raiva. Com raiva por não poder calar, por não poder controlar, por não poder ignorar. Sua raiva era como um emaranhado de linhas fluindo por toda sua mente, vibrando com o barulho constante, e o fazendo odiar tudo que tinha se tornado.

Seus olhos fecharam de novo.
Ele não merecia o músico.

Mas, Deus, ele o queria tanto. Era um desejo que o corroía, um fogo que o consumia, uma vontade que lhe fazia refém dos próprios sentimentos, que o fazia implorar por perdão e cogitar aceita-lo, mesmo quando não merecia, quando havia sentenciado a si mesmo a eternidade numa culpa corrosiva. Kanawut era réu, advogado de defesa, de acusação, juiz e júri. Suas personas se juntavam em uma discursão constante sobre querer e merecer, sobre perdoar e condenar.

E agora, sentia-se exatamente como Tântalo tentando alcançar seu fruto, mas com a possibilidade do fruto vir até ele. De alguma forma, era como se aquele fruto que tanto desejou estivesse oferecendo-se para cair exatamente em suas mãos, oferecendo-se para ser devorado, e Kanawut seria capaz apenas de aceitar. Pegaria em suas mãos e o faria seu, mataria sua fome e se livraria da própria condenação.

Contudo, tinha medo.
Tanto medo.

– Argh! – o jovem rapaz grunhiu entredentes, afundando cada vez mais em cada um daqueles questionamentos.

Ele se levantou em um pulo, olhando-se no espelho do quarto e observando sua pele coberta pelo tecido grosso do pijama, os olhos fundos e a boca ressecada. Até seu cabelo parecia lentamente perdendo sua cor e brilho, como se aos poucos a vida estivesse esvaindo-se pelas beiradas.

The Blue Of Your Voice • Fanfic MewGulfWhere stories live. Discover now