Capítulo 6

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Micael abriu os olhos num quarto tão branco e claro que precisou piscar algumas vezes pra se acostumar com o lugar. Estava com dor em todo o corpo e principalmente na cabeça, muito confuso sobre o que tinha acontecido.

— Graças a Deus! — A voz de um homem soou quando percebeu que Micael tinha os olhos abertos, mas o moreno não conseguiu virar o rosto, todo seu corpo doía. — Você está bem?

— Não consigo virar a cabeça. — Resmungou em resposta e soltou um arquejo de dor, aquela altura sabia que quem estava ali ao seu lado era Jorge, seu pai.

— Você nos deu o maior susto. — A voz de Marlon ecoou e os dois se levantaram para entrar em seu campo de visão. — Pelo amor de Deus, presta atenção quando estiver dirigindo!

— Marlon, ainda não é hora de brigar! — Jorge repreendeu o filho mais velho. — E até onde sabemos, o Micael não estava errado.

— Mas se estivesse atento, podia ter visto o carro vindo. — Marlon respondeu baixo. Micael alternava olhares entre os dois, sem conseguir se lembrar de nada do que havia acontecido.

— O que aconteceu? Não me lembro de quase nada! — Finalmente perguntou e observou os dois soltarem um suspiro pesado, sem querer contar o que havia acontecido. — Ora, falem de uma vez, sabem que vou acabar me lembrando.

— Você, Luiza e Felipe sofreram um acidente de carro. Aparentemente estavam a caminho de casa quando um motorista irresponsável e bêbado bateu na lateral do carona. — As memórias voltaram como se fosse um passe de mágica e ele se lembrou de tudo, até o momento em que disse a Luiza que a amava.

— Cadê o Felipe e a Luiza? — Perguntou com alguns tons acima do normal, em completo desespero. Não podia imaginar viver em um mundo que não tivesse sua família.

— Calma, Micael! — Marlon pediu, mas viu a aflição nos olhos do irmão e sabia que precisava lhe dar aquelas notícias. — Felipe felizmente estava corretamente afivelado no bebê conforto e não corre nenhum risco, ele até se machucou, acabou fraturando o braço, mas não é nada que não vá se recuperar. — Soltou um suspiro aliviado.

— E a Luiza? — Percebeu que não seria tão simples quando os dois se encararam sem coragem pra dizer. — Gente, o que diabos aconteceu com a minha esposa, será que podem dizer de uma vez? — Pediu já imaginando mil coisas que podiam ter acontecido.

— Ela... ela... — Marlon não completou, claramente não estava preparado pra dar aquela notícia ao irmão.

— Fala, Marlon! — Desviou o olhar pro pai. — Ou então me fala o senhor, o que de tão terrível aconteceu com a Luiza, eu já estou pensando no pior. — Disse desacreditado e então uma onda de tristeza invadiu seu corpo ao ouvir as palavras do pai.

— Ela não resistiu, filho. — Micael ficou em silêncio um instante, ainda pensando que podia ser uma piada de mal gosto. Levou uma mão a cabeça, na tentativa de fazer a dor que sentia parar, mas era impossível.

— Não é possível. — Finalmente disse algo, depois do longo silêncio enquanto raciocinava. — Ela está bem, eu sei que está bem, eu sinto que está bem!

— Você vai ter que ser forte, seu filho vai precisar muito de você. — Jorge disse e colocou a mão sobre o ombro do filho, que desandou a chorar pensando no bebê que estava prestes a completar oito meses e já não tinha mais mãe. Balançou a cabeça em negativa muitas vezes até que perceberam que ele fazia força pra se levantar.

— Calma Micael, você não tem condição nenhuma de levantar agora. — Marlon disse e ele parou um instante, se analisando e só então percebeu que tinha a perna esquerda quebrada, o tórax estava enfaixado e também a cabeça. Chorou ainda mais ao perceber que não sairia daquela cama por dias.

Em algum momento durante a crise de Micael, Marlon saiu do quarto à procura de um médico que o reavaliasse e então logo depois um calmante foi aplicado no soro e Micael dormiu novamente.

**

Acordou horas depois, sentindo sua cabeça latejar ainda mais, se era possível. Ouviu as vozes do irmão e do pai e ficou tranquilo ao saber que ainda estavam ali.

— Minha cabeça toda hora dói mais. — Falou alto e fez os dois pararem a conversa e perceber que Micael estava novamente acordado. — Mas que inferno. — Praguejou.

— Vai passar meu filho, como você está? — Parecia uma pergunta retórica, afinal, se via de longe que estava péssimo.

— Estou todo quebrado e viúvo aos vinte e cinco anos. Estou ótimo. — Debochou e ouviu um suspiro do pai. Foi só voltar a pensar em Luiza que ficou desnorteado mais uma vez e as lágrimas voltaram aos seus olhos. — Como vou viver sem ela? Como vou cuidar do Felipe sozinho? — Perguntou em meio às lágrimas.

— Ninguém vai te deixar sozinho agora e em nenhum momento, você sabe que pode contar com a gente pro que for. — Marlon tentou confortar o irmão, mas sabia que nada o que ele diria era o que Micael queria ouvir.

— Quanto tempo eu fiquei apagado? — Perguntou um tanto curioso.

— Eles te doparam desde o acidente até a última vez que você acordou que devia ser umas cinco horas da tarde. — Jorge fez uma pausa e então completou. — Hoje é quinta, você estava apagado desde domingo a noite.

— Sério que eu fiquei isso tudo apagado? — Arregalou os olhos e em seguida voltou ao normal pra fazer a pergunta mais dolorida que poderia ter feito. — Quando será o velório da Luiza?

— Já aconteceu, tudo foi muito rápido, irmão. — Marlon disse sabendo que mais uma vez Micael ficaria mal ao saber daquilo. — Foi no dia seguinte ao acidente, Branca autorizou o enterro e você ainda estava dopado.

— Ela não tinha direito de fazer isso! Eu sou marido da Luiza, quem devia autorizar sou eu. Não é junto que eu não tenha tido chance de me despedir dela por egoísmo da Branca.

— Não fala assim, eu sei que você está sofrendo, mas são os pais dela, acabaram de perder uma filha querida, não dá pra chamar de egoísta. — Jorge defendeu. — Tudo foi rápido porque...

— Por que o quê? — Encarou o pai esperando aquela resposta.

— O enterro foi com caixão lacrado, Micael. — Marlon quem completou a fala do pai. — A colisão foi bem do lado que ela estava sentada. Não nos deixaram ver a Luiza, ninguém viu.

— Foi tão horrível assim? — As lágrimas insistentes já estavam lá novamente, dessa vez com muita culpa. — Tinha que ser eu, não ela. Felipe ia estar bem melhor se ela estivesse viva e eu não.

— Para de falar besteira! Você foi outra vítima desse acidente, se alguém tem culpa, é o miserável que bebeu e foi dirigir, o cara avançou o sinal! — Jorge voltou a colocar a mão no ombro do filho, já que não tinha como lhe dar um abraço.

— É mano, vocês só tiveram a sorte que ela não teve, não pode se culpar por isso, e sim aproveitar a sua segunda chance, digo, você nasceu de novo!

— Cara, eu não acredito nisso ainda... — Resmungou enquanto olhava pro teto, demoraria a acreditar que aquilo era real. Mais lágrimas escorreram pelo rosto de Micael ao tentar novamente assimilar aquilo, era impossível. O silêncio perdurou pelo quarto e estava confortável pra ele assim.

Por debaixo da cortina de lágrimas, viu Sophia entrar no quarto vestindo preto, como era de se esperar. A mulher tinha Felipe nos braços e Micael observou bastante o filho e o braço engessado. Teve ainda mais vontade de chorar. 

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