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Despeça-se.

Uma despedida em si já é péssima, mas não é pior do que se despedir de quem você nem quer que parta. Saber que não tem último beijo, último abraço, já deu, já foi. Passou. Mas a gente não quer que passe, porque o gosto da menta de laranja, sua preferida por sinal, que eu ganhei aquela noite, a meia luz da cozinha, não passa. A sensação de te ouvir respirar no meu pescoço, recém acariciado por você, não passa. O sentimento de quando você leu meu corpo com a mão e com a língua, não passa. O cheiro do perfume que você sempre esquece o nome, mas eu sou viciada, não passa. As palavras da folha de caderno arrancada, que serviram para você fazer o meu poema preferido, não passam. Os teus atrasos que me deixavam louca, jurando que você não vinha, não passam. A marca de mordida na minha cintura, resultado de uma brincadeira, não passa. A vontade de rir de novo, do jeito que eu fiz quando você me encheu de cócegas em um sofá bagunçado por nós, não passa. As lembranças das fotos nunca tiradas fisicamente, não passam. O desejo de te ver mais uma vez, arrumando a sobrancelha que eu sempre bagunço porque tenho essa mania, não passa. A vontade de querer vestir tua blusa de novo, fazer de pijama e acordar rindo porque você veio me dar bom dia com um lindo sorriso, não passa. A mancha que você deixou na minha colcha roxa, não passa. A vontade de tirar as manchas de batom vermelho que eu deixei na tua camisa e na tua boca, não passa. O som da tua voz dizendo "Como você consegue se superar? Tá tão linda", não passa. O teu olhar, não passa. O teu suspirar e o teu sorriso, não passa. As conversas de madrugada que eu arquivei, não passam. Eu não quero que passe. Eu não quero apagar as poucas partes tuas que me restam, não quero apagar as fotos e muito menos nossas iniciais daquela árvore, a gente tem mania de clichê. Isso não passa. A gente não passa. Não quer que passe, mas a despedida é necessária. Então, por favor, não passe mais por aqui, nem às 15:00, nem às 16:00, por mais que eu esteja esperando sua chegada, a tua partida é agora. E, por mais que eu use gerúndio pra te dizer, o nosso "nós" está passando, e, no presente.

Transbordo, logo escrevo.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora