CLXXVIII

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Era um dia de tempo nublado, mas nada abalaria o brilho da minha decisão. Pela primeira vez, eu estava decidida a te deixar. Mesmo depois de você prometer não me machucar mais de nenhuma forma, mas foi isso que você prometeu aquele dia que eu ganhei um corte novo na coxa esquerda. Depois de você prometer não colocar sempre a culpa em mim, você assumia que também errava e que eu te irritava. Eu sei. Mesmo depois de todas as palavras que eu queria ouvir e mais ainda acreditar. Eu tinha decidido. Decidido fugir do teu toque doce que terminava em fel, sangue e lágrimas. Você sempre soube o que fazia comigo, as maquiagens que comprava não era pra me ver mais bonita. Era pra me ver escondida, cobrindo cada marca roxa que você deixava na noite anterior, cada olho, cada hematoma. Cada ferida que você abriu e eu sei que nunca conseguiria fechar completamente, por mais que essa virasse minha única missão. Você me chamou pra sair e eu escolhi meu local favorito, queria ter o poder, queria escolher, ao menos uma vez, queria me sentir incrivelmente bem pra não ceder as tuas súplicas que pareciam tão verdadeiras quando você as repetia aos quatro cantos, gritando e chamando a atenção de todos para a louca que estava a sua frente. Eu já imaginava o cenário e os olhares de sempre, pena, compaixão, raiva, mas não passavam de olhares e esse era o problema. Você chegou atrasado como de costume, colocou a culpa no trânsito e na minha demora pra fechar o portão. Eu estava no meu melhor vestido, mas estava com medo. Eu senti um forte calafrio, e ao imaginar o pior, sabia o que minhas ancestrais tentavam avisar. Mas eu segui, porque estava decidida. Decidida a te deixar. Eu entrei no carro, sem te cumprimentar com o selinho, você virou meu rosto e o beijou. Eu tive nojo de mim. Só mais algumas horas, pensei. Saímos apressados, mas eu não consegui te falar durante o jantar. Foi quando você teve a brilhante ideia de nos levar a um lugar mais reservado, para uma diversão e eu tive pavor. Acontece que sexo só é prazeroso quando os dois querem e topam, do contrário é estupro. Eu não esperava nada daquilo e, então, juntando todas as minhas forças eu disse não. Você me bateu, mas eu já estava decidida que aquela seria a última vez. Eu gritei. Disse que não te aguentava mais e você enlouqueceu. Saiu de si e tudo que lembro são borrões, você dirigindo como um maníaco pra mais longe , mesmo eu querendo sair de perto, não era o caminho que eu queria. Você me fez descer do carro, estava escuro e eu estava perdida. perdida em todos os sentidos da palavra que você puder dar. lembro te ter implorado, pedido calma e chorado. era tarde demais. Eu deveria ter dito adeus, antes de você me tirar a fala – e a vida. Agora não sei onde estou e não sei porquê te vejo chorar em cima do caixão que você me colocou.

Transbordo, logo escrevo.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora