CLVI

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Eu te vi.

Eu imaginei esse encontro de inúmeros modos e nenhum deles correspondeu a realidade. Meu coração não quase saiu pela boca, seu perfume não mais me trazia conforto, na verdade, eu nem tive certeza se ainda era aquele que me fazia suspirar ao sentir na minhas blusas sempre amarrotadas, meus lábios não secaram, minhas pernas não tremeram, minha fala saiu e sua boca já não pareceu tão beijável. Eu te vi. Mas não quis te contar que já não tenho medo de trovões, tampouco de filmes de terror. Não quis te dizer que não faço mais academia e que meu corpo é meu melhor amigo quando esqueço o joelho esquerdo machucado. Não quis te mostrar minhas novas fotos e nem rir contigo ao te contar da minha mais nova cicatriz. Não pensei em te dizer que agora tenho um gato cor de caramelo e olhos tão claros quanto às verdes folhagens daquela árvore que eu adoro. Não quis te contar que meu livro favorito já não é mais o mesmo e que cheguei à conclusão de que não não tenho um em específico. Não quis te contar que a minha primeira meta bateu, que tenho mais de 150 livros na estante e mais seguidores do que sonhei naqueles livros mal contados na página do meu sonho que finjo que um dia será realidade. Não pensei em te dizer as palavras que um dia ensaiei e nem te contar que tenho lingeries novas. Não quis mostrar minha nova coleção de batons e nem meu quarto que já não é mais azul cor do céu à noite, quando as estrelas caem. Não pensei em te dizer que te escrevi poemas e que as músicas que me lembravam você não representam nada mais que uma simples música ouvida que já tiveram valor em algum momento da minha vida. Não quis te contar que minha irmã vai competir naquele lance de leitura da escola, que eu sempre fugi correndo. Não pensei em te dizer que terminei de escrever meu terceiro livro e que comecei o quarto sem nem ao certo saber como escrevi os anteriores. Não quis te falar dos meus novos medos, tampouco dos assuntos que vão cair na prova e eu não faço a mínima ideia do que se trata. Não pensei em te dizer que meu pai tem andado pior que antes e que tudo que desejo é terminar o que preciso e sair correndo pra um lugar com estrelas, rio e paz. Não quis te contar meus segredos como antes e nem te mostrar meus calos por causa do lápis que já não sei ficar sem. Não tive vontade de pegar no teu cabelo que já não me parecia tão macio quanto minhas lembranças tentavam me convencer. Não te quis na minha cama, pra me abraçar depois de me cansar. Não lembrei de te mostrar meu novo caderno, cor de céu que desbotou e nem meus novos adesivos no espelho. Não pensei em te dizer que meu celular tem playlists diferentes, que aquela música já não me arrepia mais. Não quis te falar que bebi mais do que deveria na festa outra vez, fiquei louca e não sabia como havia chego na casa que nem era minha. Não quis mais falar de você pros meus amigos e nem dizer que você tinha um sinal lindo nas costas. Não tive vontade de ficar acordada até altas horas pra te esperar e ouvir que você não ia ficar. Não pensei em te dizer que eu deixei os biscoitos de lado, mas os chocolates continuam presentes. Não quis te contar que meu armário tem mais leite condensado que qualquer outra coisa, que eu poderia fazer brigadeiro e mudar de filme. Não pensei em te dizer meus desencontros comigo, quando olhei no espelho e chorei. Porque meu corpo não tava tão desenhado e meu batom favorito já não caia tão bem. Não te contei minhas novas milhares de inseguranças, acumuladas a anos e alguns dias. Não desejei teu corpo junto ao meu no frio de fevereiro e não quis tua blusa no calor de outubro. Não pensei em nada, a não ser te dizer obrigada. Obrigada por ser tão você e me fazer aprender: eu nunca deveria ter quisto.

Transbordo, logo escrevo.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora