CLXIX

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Não podemos ser amigos, porque sei que já fomos mais que isso.

Eu estou na cozinha, esperando os segundos do microondas soarem e nossos salgados que você trouxe da padaria que sempre íamos está lá. Eu tenho uma xícara de café na mão e meus dedos batem nela tão freneticamente que me pergunto se realmente foi apenas essa que tomei até agora. Você tá na minha sala e eu tô aqui, me perguntando se vou saber voltar lá e ouvir tua respiração do meu lado, sem fazer com que ela se misture a minha daquele jeito apressado que nós tínhamos. Eu bebi mais um gole e o meu sabor favorito me fez lembrar que você nunca esqueceu meus gostos, o salgado de queijo estava na sacola de papel que você trouxe. Eu estou me perguntando se não estou demorando muito com esse péssimo disfarce de que estou esperando as coisas esquentarem e o meu café esfriar. Eu gosto dele quente, do modo que éramos quando estávamos juntos. Nós fervíamos, esquentávamos a cama e qualquer que fosse o ambiente. Você está me chamando da sala, percebo que meu nome soa bem em teus lábios rosados que sei que são macios. Mas eu confesso que preferia quando você me chamava por algum apelido, de preferência que viesse com o pronome "minha" na frente. Eu sempre me derreti. Você grita, dizendo que trouxe aquele tipo de comédia romântica que eu adoro, que os casais se desencontram várias vezes, mas terminam juntos. Então, sussurro:
— Quando nós vamos nos encontrar de novo?
Sim, eu sei. Não demos certo, como café gelado em pleno inverno. Mas ainda assim, eu queria. Quero. Você me ligou semana passada e eu lembro de ter sentindo meu coração dançar um samba ou uma dança de rua que se piscar, perde um passo. Eu lembro de ter sorrido ao ouvir tua voz do outro lado da linha, pedindo pra me ver, pra sermos amigos. Eu estaria mentindo se dissesse que todo o entusiasmo continuou, mas eu não soube te dizer não. Porque pra mim, você sempre foi como café, ponto de paz em meio ao caos, meu equilíbrio. E, agora, eu admito, não podemos ser amigos porque sei que já fomos mais que isso. Porque teu sorriso combina com o meu e tua xícara continua na minha louça. Eu quero voltar a ser sua, mas sei que isso não vai acontecer, porque eu nunca deveria ter deixado de ser.  

Transbordo, logo escrevo.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora