23: As etapas

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O dia de Hoseok se consistiu em soldar, martelar, cortar e configurar. Já era mais do que costumeiro para o Shin realizar essas tarefas. Grande parte do dia, na maioria deles, ele ia para a informática ou então para a oficina mecânica. Sua especialidade era nas áreas digitais e mecânicas e gostava bastante de tecnologia e principalmente de criar novas coisas. No geral, ele gostava de criar coisa mortíferas. Armas e bombas, por exemplo. Mas também gostava de hackear sistemas, invadir contas importantes, configurar programas de segurança e vigilância. Ele era bom no que fazia, mas foram incontáveis as vezes que explodiu alguma coisa por acidente. O alvo mais recente foi um galpão que armazenava cebolas. Ele chorou durante dias, mas não foi por tristeza.
— Teddy, me passa aquela chave, rápido. — Pediu estendendo a mão, sobre os olhos, um óculos de proteção.
— Tô, ocupadinho agora. — Falou enquanto revirava as peças do que parecia ser uma torradeira.
— Depressa! Antes que...
Vruum!
Sua pequena máquina, no formato de uma bola de basquete, entrou em chamas. Hoseok pulou para trás rapidamente com um grito engasgado, se esquivando do fogo que quase queimara seu nariz. O fogo era alimentado por um gás combustível que o fazia crescer dois metros para cima, como um lança chamas. Teddy gritou e saiu correndo, voltando pouco depois com um extintor de incêndio.
— Sai! Sai da gente! — Empurrou Hoseok para o lado com a mão e ligou o extintor à pó.
Usou praticamente todo o pó, mas quando viu que não estava funcionando e que o fogo se espalhava pela mesa, correu e pegou um extintor de água. Hoseok quase pode ouvir um Fire Truck e What what what what. Teddy encharcou tudo, mas o fogo não diminuiu devido ao gás, então ele fez a coisa mais lógica em uma situação dessas... Pegou o extintor e começou a bater na bola de fogo e por incrível e impossível que pareça, o extintor começou a pegar fogo também, conforme o gás inflamável se expandia por ele. Dando um gritinho desafinado demais para um homem de 25 anos, ele se afastou e encarou Hoseok, que estava olhando a tudo como se hipnotizado. A bola de fogo começou a soltar um chiado como de gás vazando e a tremer. Hoseok despertou se sua hipnose, pegou a bola desesperado e saiu correndo, gritando "ó o gás!" e para que saíssem da frente, o que ele não precisava nem dizer, pois todos já estavam bem longe do loiro bomba-relógio. Água! Preciso de muita água! pensou e em seguida correu para o lugar mais próximo com água que encontrou. O banheiro. Abriu a porta com um chute estrondoso e um garoto que mijava em um miqui-tório no canto da parede deu um salto de susto e saiu correndo para fora do banheiro, sem nem fechar o zíper direito.

Chutou a porta de uma cabine e jogou a bola dentro do vazo, fechando a porta em seguida. Da cabine ao lado saiu um homem tranquilo, sorrindo por ter se aliviado. Olhou para Wonho chamuscado e para a porta do banheiro a qual este encarava, parecendo confuso. Hoseok se afastou, a bola chiou mais alto, o homem o encarava procurando uma explicação. Shin o puxou e o deixou em sua frente. Boom! A cabine explodiu, o vazo agora era apenas farelo de porcelana, esgoto sujou todo o homem, que se mostrou um ótimo escudo humano. As paredes ao redor de onde ficava o sanitário estavam negras do fogo e ele esperava que fosse só o fogo mesmo. O homem cuspiu a água suja como um chafariz e se virou para Hoseok, o fuzilando com o olhar.
— Oi. — Shin deu um sorriso torto.
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Minhyuk cogitou a ideia de ir atrás de Changkyun, mas quando saiu do hospital não havia nem sinal dele, então voltou para a mansão ao saber que Shownu e Jooheon haviam chegado do Japão. Não poderia fazer nada quanto a Chang agora, mas podia explicar o ocorrido, se desculpar e ainda ver como os dois estavam.
Pegou um táxi até sua casa e de lá foi a pé para a mansão, que não era muito longe. Já era de tarde e alguns membros acabavam de tomar o seu café das seis. O campo e as salas de treinamento estavam cheios. Minhyuk procurou pelos dois pela mansão inteira e demorou até encontrar Jooheon, que andava de um lado para o outro com pressa, fazendo um monte de coisa ao mesmo tempo. Envergonhado por não ter conseguido impedir o sequestro de Changkyun e nem o trazido de volta, ele se aproxima.
— Jooheon. — Chama um pouco baixo, mas ele parou de andar e o fitou. — Podemos conversar?
Ele olha para os dois lados, como se pensasse em o quanto estava ocupado no momento, mas assente com a cabeça, começando a andar, fazendo Minhyuk o seguir. Foram até um canto mais afastado, perto de uma janela no final do corredor e então Jooheon o olhou em um sinal para que começasse a falar.
— Como você está? — Começou.
— Eu estou bem. — Sorriu de canto, atitude que ele não esperava. O que ele esperava eram xingamentos e acusações.
Umedeceu os lábios e continuou. — Que bom. E onde está Shownu?
— Estava resolvendo assuntos com Seokwon, agora eu já não sei, talvez no quarto.
— Ah, sim. — Coçou a nuca. A cabeça baixa. — Eh... queria falar sobre Changkyun. Eu queria ter mandado mensagem antes. Na verdade, queria nem ter precisado mandar, mas não consegui impedir. Sinto muito. — Pediu, tendo consciência da "afinidade" que este tinha pelo Lim.
Suspirou. — Minhyuk, eu entendo. — Pôs a mão no ombro do amigo, o tranquilizando. — Não estou te culpando por nada e sei que mandar aquela mensagem para mim foi arriscado. — Minhyuk se surpreendeu e Jooheon sorriu calmo, tirando a mão de seu ombro. — Agora vamos nos concentrar em resgatar Changkyun, é isso que importa.
— Sim, isso seria bom, mas... Ahm... — Pensou em como diria. — Eu acho que ele não quer ser "resgatado".
Franziu o cenho. — Como assim?
— Eu consegui o localizar e fui até o trabalho dele, não foi fácil rastreá-lo enquanto que ele não usava o celular, mas eu consegui. Enfim... o fato é que eu fui até lá o buscar, mas ele disse coisas sem sentido. Ele não quis vir comigo.
— Isso é estranho. — Concluiu. — Talvez alguém estivesse olhando e ele fez isso para não te pôr em perigo. Isso é algo que ele faria.
— É, eu concordo, mas não parecia ser isso. — Falou. — Eu não sei o que disseram para ele, mas parece que ele está, ahm... confuso. Acho que ele não queria voltar.
— Você tem certeza? — Perguntou, mas nem deu tempo de Minhyuk responder, quando seu celular começou a tocar. — Conversamos sobre isso depois, com calma. E não se preocupe, eu vou trazer Changkyun de volta. — Falou com uma certeza precisa na voz, que fez Minhyuk acreditar que realmente iria acontecer. Depois atendeu ao celular e deu as costas.
Minhyuk suspirou aliviado. Realmente achou que Jooheon o julgaria, assim como o Oyabun fez, mas o Nomura parecia não o culpar realmente. Ele o agradecia por isso. Se sentiria muito pior caso os amigos o xingassem.
Depois dessa breve conversa, ele resolve ir procurar por Shownu. Provavelmente o dialogo deles seria bem mais intenso e trágico do que o anterior, mas ele respirou fundo e tomou coragem. Não foi difícil acha-lo e nem demorado. Passou por Seokwon pelo corredor, ele carregava pergaminhos de plantas e quando Minhyuk perguntou por Shownu, ele disse duas coisas:
— Ele está no dormitório. — Franziu o cenho encarando o pescoço de Minhyuk. — Arrume a gola antes de ir falar com ele. — E continuou andando.
Estranhando sua fala, Minhyuk primeiro ficou confuso, depois levou a mão ao pescoço, ligando a câmera frontal do celular e constatando a fraca marca de chupão que ainda não havia sumido. Após, ficou surpreso pelo fato de Seokwon saber de alguma forma da "situação" dele e de Shownu. Deixando momentaneamente isso de lado, ele continuou percorrendo o corredor, após arrumar a gola da jaqueta, indo até seu dormitório que dividia com o mais velho, encontrando esse desfazendo as malas. Assim que entrou foi até sua cama e se sentou, ficando em silêncio. Shownu guardou um casaco no cabide e quando se virou para trás, para guardar a próxima peça de roupa, se surpreendeu ao ver Minhyuk, que sorriu em reposta.
— Oi, como você está? — Perguntou. Antes de mais nada ele precisava saber se ele não estava ferido.
Shownu abriu um sorriso mais largo do que o do Lee. — Eu estou bem.
— Tem certeza? Eu fiquei sabendo que se machucou. — Se levantou da cama e parou a sua frente, o analisado da cabeça aos pés. Ele parecia bem.
— A facada? Aquilo não foi nada, não se preocupe. — Pôs a mão sobre a barriga.
Arregalou os olhos. — Facada? Você levou uma facada? Deixa eu ver. — Levou as mãos até a barra da camisa do mais velho, mas esse o barrou com a mão.
— Está tudo bem, esqueça isso. — Sorriu fraco.
— O que aconteceu? — Minhyuk o fitou preocupado.
— Essa é uma longa história. — Sorriu, mas parou em seguida, o fitando sério e parecendo perdido em pensamentos. — Eu estava preocupado com você.
— Comigo? Era você quem estava em uma missão arriscada. — Arqueou uma sobrancelha.
Sorriu curto. — Eu sei, mas quando soube que Changkyun foi sequestrado, só conseguia pensar se você havia se machucado. — Minhyuk arregalou os olhou. — Talvez tenha sido egoísmos da minha parte me preocupar tanto com você sendo que Changkyun é que corria mais perigo, mas isso simplesmente aconteceu assim. Depois me preocupei se você não faria nenhuma bobagem, como ir atrás dele sozinho ou ficar pensando coisas estranhas, se sentindo culpado. — Minhyuk corou. Era exatamente o que ele havia feito.
— Você me conhece muito bem, mesmo. — Coçou a nuca. Shownu deu de ombros. — Eu preciso falar algo com você. — Tomou coragem por fim.
— Algo ruim?
Anuiu. — Eu diria que sim.
— Então eu não quero saber. — Se aproximou e o abraçou pelos ombros.
— Eu realmente preciso.
Aconchegou a cabeça na curvatura de seu ombro. — É tão importante assim? — Pergunta, mas antes de ter a resposta franzi o cenho, sentindo um cheiro estranho em Minhyuk e o afasta pelos ombros, o encarando. — Minhyuk, por favor, me diga que você não estava com aquele cara. — Minhyuk não conseguiu responder. Son levou as mãos até a gola de seu casaco e a abaixou, revelando a marca arroxeada quase sumida. Lembrou-se do que Gabe disse e a raiva acendeu em seu peito. — Eu não acredito. Você realmente fez isso? Você transou com ele Minhyuk? — Lee estava paralisado. Não era para ser assim. Não era para ele descobrir dessa forma. — Responde! — Levantou a voz.
— Sim. — Respondeu baixo, se assustando um pouco pelo tom de voz do mais alto. Era muito raro ver Shownu irritado. — Eu transei com ele.
Shownu tinha os dentes apertados e engolia em seco. — Por que? Me explique. — Pediu. — Ele te forçou? Você estava bêbado? Eu vou entender se for isso. Me diga a verdade.
— Ele não me forçou a nada. — Abaixou ainda mais a cabeça. — Foi por espontânea vontade.
Shownu ficou calado. Estava muito chocado para reagir. Tudo que Gabe lhe disse veio à tona e ele se sentiu patético.
"— Ele te trocou por esse outro cara, foi?
— Não, ele só está confuso.
— Jura? E onde ele está agora?
— Em casa, na mansão, treinando.
— É nisso que quer acreditar? Provavelmente ele está com esse outro cara nesse exato momento. Deve ter corrido para os braços dele logo que você viajou.
— Ele não faria isso.
— Será que não? Aceite, você não é a pessoa certa para ele"

Com essas lembranças fervendo em suas veias, sentindo um gosto amargo na garganta, ele passou reto por Minhyuk. Son estava decepcionado, mesmo que Minhyuk não gostasse de si, Shownu não conseguia acreditar que ele era capaz disso.
— Espera. — Minhyuk segurou seu pulso com as duas mãos. — Deixa eu explicar.
Shownu puxou o braço com força, se livrando facilmente. — Explicar? Não tem nada para explicar Minhyuk. — E se virou novamente.
— Espera, por favor. — Se apressou e parou na sua frente. — Vamos conversar.
— Pra que? Pra você me dar um fora diplomático?! — Ironizou. — Não, obrigado. Você fez a sua escolha, então agora não dificulte as coisas para mim.
— E então o que? — Perguntou antes que ele continuasse a andar. — Não vai mais falar comigo? Vai me ignorar para sempre e nem olhar na minha cara direito? — Shownu não respondeu. — Entenda meu lado Hyunwoo. Eu estava confuso, precisava tomar uma decisão. O que fiz com você provavelmente não foi certo, mas acredite, está sendo tão difícil para mim quanto para você.
— Acontece, Minhyuk, que eu sempre entendo seu lado. — Falou com mágoa na voz. — Eu te conheço a anos, sempre estive com você, independentemente da situação. Era eu lá, o tempo todo. Mas aí, chega um cara que você não conhece a nem um mês e você simplesmente esquece tudo que vivemos para ficar com ele. Tudo isso enquanto eu estava em uma missão, correndo risco de vida, dor mental e física. Como você acha que eu me sinto? — Perguntou retoricamente. — Você ao menos pensou em mim alguma vez?
Os olhos de Minhyuk lacrimejaram. Shownu desviou o olhar e seguiu reto, temendo que cedesse a vontade de o confortar. Minhyuk fez uma última tentativa de o impedir e segurou novamente seu pulso.
— É claro que eu pensei em você. — Uma lágrima escorreu. — Eu só conseguia me sentir culpado. Eu não sabia o que fazer, me diziam para tomar uma decisão logo, para seguir meu coração, mas eu não sei o que meu coração está tentando me falar. — Seu desespero aumentou. Não queria magoar Shownu. Não queria perde-lo. Suas lágrimas desciam com mais vigor.
Son puxou o pulso. — Pare de chorar, não foi você quem foi traído. — E se virou bruscamente para ir embora, mas assim que abriu a porta soltou um baixo gemido de dor e pôs a mão sobre a barrida, apoiando a destra na parede.
Minhyuk se recompôs e se apressou até ele. — Você está bem? — Shownu retirou a mão na barriga e viu-a pintada de vermelho. Os dois olharam para baixo, para a barriga de Son, a camiseta adquirira uma coloração avermelhada na região do ferimento. Minhyuk pôs a mão sobre a boca, assustado. — Precisa cuidar disso. Me deixa ver. — Aproximou a mão, mas como o esperado, foi inútil.
— Eu estou bem. Me deixe em paz. — Falou com a voz grave e seca e saiu do quarto, batendo a porta.
Minhyuk ficou parado no cômodo olhando para a porta fechada. Sua garganta ardeu e ele sentiu a vontade de chorar aumentar. Ele se sentia a pior pessoa do mundo e a mais estúpida. Tentou fazer com que ninguém saísse ferido, mas era uma tarefa impossível. Alguém sempre se machuca no final. Se ele pudesse, permitiria somente a si próprio sofrer. Se agachou no canto da parede e abraçou as pernas, a cabeça apoiada nos joelhos, e chorou. Chorou muito. Pois era tudo que podia fazer. Sou um inútil miserável.
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— Você tem certeza disso, Hyungwon? — Perguntou Kakuji, sentado na ponta de sua longa mesa de reuniões, Chae na outra extremidade. — Você viu ele? Com seus próprios olhos?
— Não, senhor, mas Kihyun viu. — Hyungwon foi formal e profissional, como sempre na presença do superior. — Kwangji também confirmou e eu não acho que ele esteja mentindo.
— Entendo. Isso é uma péssima notícia. — Suspirou e pegou os papeis que o Chae havia lhe entregue, começando a lê-lo. — Esse é todo o relato da missão?
— Sim. É todo, senhor.
O Inagawa leu brevemente e foleou. — Corrida? Com o que Kwangji estava na cabeça?
— Dinheiro, provavelmente.
Continuou lendo e então, após um tempo, franziu o cenho. — Jooheon e Shownu? O que eles estavam fazendo lá?
— Estavam na mesma missão que a nossa. Kwangji é negociador de muita gente, incluindo todas as famílias da Yakuza. — Kakuji lia o restante enquanto prestava atenção no que lhe era dito. — Como você já deve saber, os lotes da Towa-Kai também foram desviados, então, naturalmente, Satoru os mandou em missão também.
— Deixe-me ver se entendi direito. — Levantou os olhos das folhas. — Vocês dois encontraram com Son e aquele Inagawa e trabalharam juntos?
— A situação exigiu. — Explicou. — Caso contrário, poderíamos estar todos mortos agora.
— Uma parceria? — Arqueou uma sobrancelha. — Com os da Towa?! Você escolheu o pior momento para isso. Agora, mais do que nunca precisamos ser cautelosos. — Seu olhar ficou afiado. — Da próxima vez que algo assim acontecer, não hesite em mata-los. Não me importa se é um mero mercador ou o presidente desse país, se tiver relação com a Towa, mate-o.
— Mas senhor. — Tentou argumentar. — Isso começaria uma guerra.
— Melhor que nós a comecemos do que eles. — Falou grave e voltou a ler a folha, ficando em silêncio por um tempo, depois voltou a falar. — Irmãos Vlad? Não me recordo deles.
— Os Vlad são os gêmeos que fazem parte das experiências de Fai Lin. Ganharam fama recentemente pelos enormes casos envolvendo torturas com excelentes resultados, conseguindo arrancar informações de maneira rápida e eficiente. — Explicou. — Também ficaram conhecidos como O reflexo do corvo, devido a maneira preferencial a qual torturam, preferindo na maioria das vezes a tortura psicológica, fazendo você ver seu próprio reflexo, o seu passado e a parte mais obscura que te habita. Muitos relatos dizem que homens fortes já enlouqueceram em poucos dias com as torturas deles. — Terminou seu resumo com certa tensão na voz.
— Você parece saber bem como eles trabalham. — O avaliou atento. — Acredito que tenham feito o mesmo com você.
— Semelhante, senhor. — Falou formal, camuflando seus verdadeiros sentimentos. — Mas eu estou bem, não tiveram tempo o suficiente, portanto não fui afetado por suas torturas.
— Sei que não. Além do pouco tempo relatado aqui, você também é um dos integrantes mais controlados e de mente sã dessa família. — Terminou de ler e entregou as folhas para Tobirama. — Armazene esse arquivo agora mesmo.
— Sim, senhor. — Pegou os papeis e se reverenciou, saindo da sala.
Hyungwon permaneceu calado, sentado na outra extremidade da mesa, a alguns metros. O Oyabun se encostou para trás em sua cadeira confortável, cruzando as pernas e os braços.
— Então, Kwangji desviou as rotas de ambas as famílias por ordem de Yang. — Falou calmo. — Isso faz sentido para mim. Kwangji faz qualquer coisa a quem lhe pague bem e Fai Lin usou uma boa estratégia para nos distrair do real problema e tirar nosso foco. É de se esperar isso dele.
— O senhor acha que foi apenas por distração que ele fez isso?
Franziu o cenho e se aproximou da mesa, analisando o mais novo. — Você acha que tem outro motivo?
— Acho, senhor. — Foi respeitoso. — Sinceramente, não acredito que ele tenha pagado tanto apenas para uma distração, até porque, ainda ninguém tinha a confirmação que ele estivesse vivo. Para falar a verdade, acho até que ele queria que soubéssemos de seu retorno.
— Então você está sugerindo que Fai Lin tem um plano?
Anuiu com certeza precisa. — Sim, é o que eu acho. Embora não saiba qual seja esse plano, Fai Lin com certeza já tem tudo preparado, precisamos agir antes que seja tarde. Ele está armando uma emboscada e só está observando e esperando para dar o bote.
Kakuji sorriu de canto. — Você está certo novamente, como o esperado. — Se encostou para trás pela segunda vez, parecendo satisfeito com a conclusão de Hyungwon. — Isso é bem o feitio de Yang. Aquela raposa é mais traiçoeira e astuta do que aparenta. — Suspirou e se levantou, indo até uma mesinha no canto da parede e se servindo de álcool em um copo redondo de vidro, baixo e largo, se virado para Hyungwon em seguida. — Whisky? — Estendeu o copo em sua direção, mesmo que esse estivesse muito longe para pegar.
— Não, obrigado.
— Como queira. — Deu de ombro e tomou um gole, voltando a se sentar à mesa. — Por hora você não precisa se preocupar com Fai Lin, mas esteja preparado, pois logo precisarei de seus serviços. Seus e da elite, claro. — Tomou mais um gole e repousou a bebida sobre a mesa. — Mais alguma coisa?
Hyungwon se sentou melhor. — Na verdade, senhor, eu estava curioso sobre algo.
— Prossiga. — Gesticulou com a mão, como se espantasse uma mosca.
— Lim Changkyun. — Foi direto. — Fiquei sabendo que mandou Gunhee para sequestra-lo e agora ele está compartilhando da mesma casa que nós.
— Ah, claro. — Falou como se fosse uma dúvida palpável. — Por enquanto deixarei que ele more com vocês. Será bom para ele se adaptar. Mas não se preocupe, logo arranjarei outra casa. — Respondeu, mas ao ver o semblante ainda confuso do Chae, constatado que sua dúvida era outra, continuou. — Você ainda não soube? Lim Changkyun é meu filho biológico.
— O que? — Arregalou os olhos surpreso.
— Não darei detalhes. Talvez Changkyun ou Gunhee te conte caso pergunte. Mas simplificando, ele é meu filho junto com minha falecida mulher. O filho que havia supostamente morrido.
Hyungwon levou um tempo a entender, mas logo se recompôs e perguntou: — E como fica o Gun?
— Não entendi sua pergunta.
— Agora que seu filho biológico apareceu, como fica a linha de sucessão? — Perguntou, preocupando-se com o amigo de longa data. — Gun é seu Kobun, o herdeiro por direito da Inagawa.
Suspirou. — Entendo sua preocupação, mas esse não é um assunto seu. Deixa que eu resolvo.
— Desculpe, senhor, mas Gunhee treinou a vida inteira se preparando para liderar. Essa foi a meta e objetivo dele durante anos, não acha injusto que ele perca esse direito agora? Depois de passar por todos aqueles testes, provas e fase de adaptação?
Kakuji fez uma expressão azeda. — Não venha tentar me dizer o que fazer, eu ainda sou Oyabun e minha ordem é lei. Agora saia. — Falou com a voz mais grave.
— Desculpe, senhor. — Pediu a contragosto, se levantando. — Não foi minha intenção julgar sua liderança. Com licença. — Se reverenciou e saiu da sala de reuniões da casa principal.
Hyungwon não era do tipo "cão leal" que segue as ordens à risca, mas sabia a importância de diplomacia e quais as horas certas a ser civilizado. Sabia quando deveria seguir as ordens e quando deveria desacata-las Ele usava isso a seu favor.
Saiu da casa principal refletindo em como Gunhee estaria se sentindo com essa situação. O processo de seleção e as etapas para Kobuns nunca era fácil.
Os próprios Oyabuns iam em orfanatos e instituições de caridade procurar um candidato a esse cargo, por vezes procuravam nas ruas, com contrabandistas de pessoas ou em locais mais "sujos". Eles passam algum tempo em observação, vendo como se comportavam, como reagiam e se socializavam, depois são selecionados os que apresentam mais capacidade evolutiva, com mais potencial. Essas crianças escolhidas passam por adoção, tudo de forma ilegal e por baixo dos panos, de maneira que o orfanato não descubra o lar ao qual elas vão. Depois disso cada família da Yakuza possuía um método e padrão, mas eram todos semelhantes. As crianças eram apresentadas a máfia, depois passam por testes psicológicos e físicos que testam sua capacidade mental e motora, se a criança apresentasse dificuldade de aprendizado ou algum problema de saúde que afetasse seu desempenho, até uma simples asma, ela era desqualificada. As crianças que não passam nessa etapa são treinadas e vivem como um membro qualquer da família que estão inserida, enquanto as escolhidas passam para a próxima etapa.
A etapa prática é uma das mais difíceis. As crianças precisam provar suas habilidades respondendo a questionários, fazendo testes de lógica, testes físicos e de resistência, este que abrangia uma área maior e era classificado como a etapa da dor e era provavelmente a mais difícil.
Essa etapa variava muito de família para família, mas todas se consistiam em testar a resistência da criança e a levar ao limite. Basicamente, a etapa da tortura.
Elas eram deixadas em salas escuras, com as luzes apagadas, ou em salas claras e vazias. Ficavam isoladas e com a alimentação e bebida medida para que fosse somente o suficiente para que não morressem, coisa que nem sempre funcionava. Depois disso a criança passava por interrogatórios que invadiam sua privacidade e espaço pessoal. Interrogatórios que testavam seu nível de sentimentalismo. A criança era perguntada sobre diversas coisas. Se conhecia os pais ou se lembrava deles, se já sofreu de alguma forma, se foi violentado ou abusado. Perguntavam coisas difíceis de responder, levando a emoção desses ao limite. As crianças também passavam por uma série de torturas consideradas "inofensivas" pelos mafiosos, mas que com certeza deixariam sequelas.
Depois de toda a etapa da dor, os desclassificados que sobreviveram viravam membros da Yakuza, mas alguns com muitas sequelas acabavam assumindo cargos terríveis. As crianças que passavam iam para a quarta etapa, a das leis. Elas aprendiam as regras da família inserida e as leis da sociedade, aprendendo o certo e o errado e como fazer o errado de forma que parecesse o certo. Nessa fase, a maioria passava, pois era apenas decorar e aprender. A próxima etapa era a penúltima, onde eles eram treinados para atirar, lutar, matar.
Nessa etapa muitas crianças já estavam muito corrompidas ou muito afetadas, como se suas almas fossem esfoladas vivas, mais do que na etapa da dor. Elas aprendem como se defender, como se esquivar, como engatilhar e atirar, como matar. Essa é provavelmente a primeira vez oficialmente que eles veem pessoas serem mortas e que também precisam matar pessoas. Crianças são seres puros e livres de maldades, isso até que sejam corrompidas. Muitas crianças que não eram tão frias ou que eram simplesmente humanas demais e não conseguiam matar, eram desclassificadas. Depois de todas essas etapas, se alguma criança ainda sobrasse, pois muitas vezes todas eram desclassificadas logo no começo, a criança passaria pela etapa de adaptação e provavelmente a melhor etapa, na tese.
Na adaptação a, ou as, crianças que sobraram morariam com o Oyabun, aprendendo e convivendo com ele. Esse era um período mais relaxado, não tão rigoroso, mas igualmente difícil. A criança passaria a socializar com o restante dos membros e a ver o clã como uma família, tendo que aprender a maior controvérsia de todas: a amar e respeitar seu pai. Embora essa seja a etapa teoricamente mais fácil, para os Kobuns era a mais difícil de todas. Depois de serem tiradas de suas famílias ou de seu núcleo social, elas eram levadas para a máfia e passavam por diversas torturas por culpa do Oyabun, e agora teriam que amá-lo e respeitá-lo para não serem desclassificadas. Aí você se pergunta: Se é tão difícil assim, então por que eles não desistem e se tornam apenas um membro qualquer? Simples: porque seu cargo era ruim. Ruim em um nível escravidão. Eram obrigados a fazerem tarefas domesticas e muitas vezes eram usados nas missões apenas como isca. Uma vida descartável. Era mais seguro para as crianças se elas se tornassem Kobuns, além disso, elas não tinham certeza do que acontecia aos desclassificados, preferindo não arriscar.
Após essa última etapa de adaptação, caso houvesse mais de uma criança que passara no teste, o Oyabun deveria escolher a que mais lhe agradou, mas não acaba por aí. A criança escolhida se torna Kobun provisório. A criança fica em observação sem saber que pode ser desclassificada mesmo depois de supostamente virar Kobun. Ela é mandada a missões menores, por vezes é deixada em missões falsas, apenas para avaliar seu comportamento. Pode ser abandonada em uma floresta e ter que achar o caminho de volta sem ajuda alguma, pode sofrer um falso sequestro e até ter que usar a diplomacia para promover uma falsa paz em uma falsa guerra. Depois desse período a criança passa pelo processo de legitimação, onde ela se tornaria um legítimo Kobun com seus direitos totais a herança do Oyabun. A criança é testada por sua lealdade. Ela é largada nas ruas, geralmente perto do local onde antigamente morava. Ela teria a chance de fugir e se esconder, poderia procurar voltar para casa ou orfanato, mas obviamente era algo inútil e elas não saberiam disso. Além disso, passavam por outras provações. Teria que proteger o Oyabun e provar que estaria disposto a morrer para salvar a vida deste. Esse processo é mais delicado e encenado, para que não haja erros e nem a chance de a criança descobrir a farsa. Caso passe nesse teste, ela vai para o último teste. O Oyabun lhe dá a opção de sair da máfia ou de se tornar legitimamente um Kobun. Esse é o único momento em que a criança tem uma chance real de sair da criminalidade e voltar a vida normal, tendo a palavra do Oyabun de que caso escolhesse sair, estaria livre e ninguém tentaria o impedir ou machucar, mas caso escolhesse ficar, se tornaria Kobun e herdaria a liderança e todos os bens materiais do Oyabun.
Por incrível que pareça, o Oyabun realmente cumpria sua promessa caso a criança escolhesse sair da máfia e não a impede ou machuca. Talvez por achar que ela tinha o direito da escolha depois de tudo que passou. Teria provado sua coragem e bravura. Ou talvez só por não se importar.
Quando o Kobun é legitimado ele começa a aprofundar seus estudos, não só nos treinamentos, mas escolar também, tendo professores particulares que o ensinam tudo e mais um pouco. Eles começam a exercer suas responsabilidades e seus comandos. O estudo e treinamento para liderar dura a vida inteira para um Kobun, tendo constantemente que provar suas habilidades e exercer respeito, e provar com atitudes corajosas e perigosas, que é digno de lidera-los um dia. Seu treinamento e estudo não acaba mesmo depois de se tornar Oyabun. A principal característica que um Kobun precisava ter era ser forte física, mental e emocionalmente.
Com tudo isso, Hyungwon sabia muito bem que não era fácil para Gunhee ter passado por tanta coisa para simplesmente ser deixado em segundo plano. Também se lembrou que as provas da Yakuza estavam chegando e que não havia estudado absolutamente nada.
Saiu da casa principal e foi direto para sua moto. Iria voltar para casa e dormir, amanhã seria um dia agitado, mas mudou esse plano ao receber uma ligação. Eram onze e meia da noite e o número desconhecido só fez estranhar ainda mais, mas atendeu mesmo assim.
— Quem fala? — Perguntou monótono, encaixando a chave na moto, pronto para ligar o motor.
Shownu. — Falou simplesmente e Hyungwon franziu o cenho, estranhando a ligação e estranhando também, o fato de não ter passado seu número a ele, mas relevou esse fato.
— Por que está me ligando? — Sua fala saiu normalmente, como dois amigos normais. Depois da missão no Japão eles haviam reatado a velha amizade. Amizade essa que nunca havia sumido, apenas esfriado.
Está ocupado?
Respondeu com outra pergunta: — Aconteceu alguma coisa?
Aconteceu. — Hyungwon estranhou o fato de Shownu estar sendo tão direto, geralmente ele escondia por completo suas aflições e angustias. — Você pode vir me ver?
— Claro, posso. Onde você está?
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Changkyun não tinha como falar com Dilan, então decidiu aproveitar seu tempo livre de outra forma. Saiu para esfriar a cabeça e se esquecer da máfia por alguns momentos. Primeiro foi em uma PC House. Passou boa parte pesquisando coisas que poderiam ser úteis, procurou o endereço de Dilan, mas sem sucesso, após isso, matou a saudades das redes sociais, mas sem fazer nenhuma tentativa de fuga, pois era inútil. Também aproveitou para estudar as novas leis e as antigas, sabendo das provas da Yakuza se aproximando. Ele decidira que seria melhor tentar não ir tão mal. Depois de um tempo percebeu que até em seu único tempo de liberdade estava gastando com coisas da máfia e se frustrou, optando por jogar um jogo online e ouvir música. Saiu da PC House e resolveu passear no parque que costumava ir para fazer caminhada. Passou bom tempo ao ar livre e não tão poluído que as árvores lhe davam, aproveitando a falsa liberdade que tinha. Ao final da tarde foi até a cafeteria perto de seu trabalho, onde antigamente ia com frequência. Comprou um café expresso e torradas. Passou pouco tempo conversando com uma das atendentes, está que comentou como ele não aparecia a tempo. Quando saiu da cafeteria foi para o shopping e comprou novas vestes. Ele tinha bastante dinheiro sobrando agora que não tinha mais planos de comprar uma casa própria. Duas sacolas de papel em formato quadrado estavam em sua mão. Ele sentira falta do carro nesse momento.
Quando saiu do shopping já havia anoitecido e então ele fez sua última parada em um pub que não frequentava tantas vezes. Deixou as sacolas atrás do balcão, onde o barman aceitou guardar suas compras. A música tocava alta, as pessoas se divertiam, dançavam e bebiam, jogavam em máquinas de fliperama, algumas se ocupavam nas mesas de sinuca ou em mesas redondas, conversando com amigos ou namorando pelos cantos. Changkyun passou a noite toda naquele local, bebeu como não bebia a muito. Ele não costumava se embriagar, mas mesmo com a falta de costume, não ficava bêbado fácil, coisa que aceitaria naquele momento.
Gastou boa parte do salário com bebidas, mas nada que lhe faria tanta falta. Se permitiu extrapolar no álcool e quando esse subiu a sua cabeça ele se via dançando no meio da pista de dança. Música eletrônica tocava, fazendo com que as pessoas pulassem e batessem cabelo, jogassem os copos com restos de bebida para cima e cambaleassem se esbarrando umas nas outras debilmente. Changkyun era uma dessas pessoas débeis.
Ele até se juntou com um grupinho alegre e alterado que o puxou para o meio do frenesi de copos dançantes. Deu risadas altas, mas não por estar feliz ou se divertindo à beça, mas sim pelo álcool e a extrema vontade de viver outra vida. De ter aproveitado mais, não ter trabalhado tanto, ter visto o céu noturno mais vezes, ter dançado, pulado e soado mais. Agora essas coisas eram meras ilusões em sua vida e tudo que trabalhou e suou para ter parecia inútil e sem sentido.
Ele não saiu do pub tão tarde quanto pretendia. Por volta da meia-noite ele já voltava para a casa compartilhada, quase esquecendo das sacolas. Seus amigos de farra o acompanharam até o centro, um mais bêbado que o outro, errando os passos e gritando coisas sem sentido aos quatro ventos. Changkyun nem sabia os nomes dessas pessoas, mas não se importou em perguntar, pois era certo que não se veriam mais. A turma continuou seu caminho pela esquerda, costurando em ziguezague a calçada e contando os passos. Pé esquerdo, pé direito, pé esquerdo, pé esquerdo. Ops.
O Lim seguiu seu caminho rindo sozinho e cambaleando até a casa, sem saber ou se importar em como se lembrara do caminho, principalmente a pé.
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Gun havia passado o dia ocupado, enquanto Kihyun teve que se contentar, por conta dos ferimentos, em ficar em casa e assistir televisão, com um sorriso no rosto esperando o Song voltar de seus deveres. Porém Gunhee não estava tão tranquilo. Enquanto ia de lá para cá resolvendo assuntos importantes, se via distraindo-se com as lembranças de mais cedo, de Kihyun, do beijo e de seu pedido incomum. Ele não sabia como exatamente deveria agir com ele daqui para frente, mas decidiu que tentaria ser bom para o Yoo.
Outra coisa também rondava sua mente. Agora que Changkyun aparecera como filho biológico de Kakuji, ele não tinha mais certeza se continuaria a ser seu herdeiro, mas as probabilidades o irritaram profundamente. Ele não passou por tudo para ser em vão.
Quando a noite chegou ele pôde finalmente ir para casa. Hoseok ainda não havia chegado, isso não o surpreendeu. Hyungwon também não havia chegado. Tudo bem. Changkyun igualmente não estava em casa. Nada bem.
Isso lhe trazia dois problemas: ficaria sozinho com Kihyun, coisa que o deixava de certa forma nervoso. E acabara de se lembrar que Changkyun não estava com seu celular, já era tarde da noite e ele não havia chegado. Poderia ter fugido, ter sido sequestrado. Nenhuma das duas opções lhe parecia bom, principalmente se Kakuji descobrisse. Ele não ficaria muito contente.
Gun tomou um banho e se deixou demorar nesse. Saiu esperado encontrar mais alguém, mas só avistou Kihyun arrumando os armários da cozinha. Estendeu a toalha no pequeno varal da lavanderia ao lado do banheiro, foi até a cozinha e se sentou à mesa.
— O que está fazendo? — Resolveu puxar assunto, mesmo que fosse estranho falar com Kihyun normalmente. Ele não sabia se estava suando ou se era a água do banho.
Kihyun se virou para trás e esboçou um pequeno sorriso envergonhado. — Só arrumando o armário. Está tudo bagunçado, por acaso Hoseok tentou fazer comida de novo? — Perguntou voltando a arrumar os estratos de tomate no armário suspenso.
— Não, na verdade foi Changkyun. Ele ainda não sabe onde fica guardado cada coisa. — Falou simplista, mas foi o suficiente para Kihyun parar momentaneamente o que estava fazendo, desmanchando o sorriso e logo em seguida continuar arrumando como se nada tivesse acontecido.
— Ah. — Guardou um último saco de macarrão instantâneo e fechou o armário, puxando uma cadeira e se sentando à mesa, na frente de Gun.
— O que foi? — Perguntou com uma curta risada.
— Nada. — Song arqueou uma sobrancelha. Kihyun suspirou em desistência. — Só não gostei dele.
— Por que ele estava na sua cama? — Gun continuava com o semblante divertido.
Kihyun se irritou. — Você poderia ter colocado ele para dormir na cama do Hyungwon, né?!
Gun riu e segurou as mãos de Kihyun acima da mesa. — Desculpa, eu precisava ficar de olho nele. Ele é muito fujão. Além do mais, não era seguro deixar Changkyun no mesmo quarto que Hoseok.
— Era só colocar o Hoseok para dormir na minha cama e deixar ele no quarto sozinho. — Retrucou, mesmo que soubesse que sua lógica era falha. — Ou então deixasse ele dormir no sofá. Tenho certeza que ele não se importaria.
— Kihyun. — Ainda continha o sorriso divertido no rosto. — Está com ciúmes?
O Yoo lhe olhou de maneira irônica e puxou as mãos, cruzando os braços. — Você sabe que sim.
Gun esperava uma resposta diferente. Que Kihyun negasse e ficasse envergonhado, mas ele parecia não se importar mais em esconder os sentimentos para com sigo.
— Ele é filho biológico de Kakuji. — Argumentou.
— Pode até ser, mas não é seu irmão biológico. — Fazia sentido para Gun, até porque ele também não o via como seu irmão.
Song riu nasalado, mas logo em seguida ficou sério ao olhar para o relógio e constatar o quanto o mais novo estava demorando. Estava a ponto de puxar os próprios cabelos. Ele deveria ter imaginado que Changkyun fugiria na primeira oportunidade, foi ingênuo demais.
— Ele já deve estar chegando. — Kihyun disse, desagradavelmente notando a aflição do outro.
A porta se abriu e os olhos dos dois presentes se voltaram a ela. Song com expectativas, mas foram quebradas ao ver Hoseok entrar na casa com o rosto e roupas sujos do que parecia ser graxa e carvão.
— Deus o livre. — Kihyun fez uma careta. — O que foi que você explodiu dessa vez?
Falou de forma emburrada: — Uma privada.
— Uma privada? — Gun franziu o cenho. — Passou de explodir fábricas a explodir privadas.
— Que decadência. — Yoo completou.
— Não estou de bom humor hoje. — Falou indo para o seu quarto.
Kihyun riu. — Shin Hoseok de mal humor? Essa é nova.
Wonho saiu resmungando até o quarto, voltando pouco depois com roupas e toalhas em mãos, sem parar um minuto de resmungar coisas sem nexo para Kihyun.
— Oito chamadas perdidas. — Resmungou. — Ele só pode estar de brincadeira. — E entrou no banheiro.
Kihyun olhou para Gun e esse deu de ombro, como se dissesse: "Você entendeu alguma coisa?" e Gun respondesse: "Não olhe para mim, não faço ideia".
Recaiu um silêncio sobre os dois, deixando o clima um tanto tenso e constrangedor, fazendo Gun coçar a nuca e olhar para diversos pontos aleatórios. Nossa, que chaleira interessante, não? Kihyun o encarava, de forma a tornar as coisas mais constrangedoras para Gun, que só queria quebrar aquele silêncio incômodo.
Kihyun sorriu de canto. — Está nervoso?
— O que? — Gun piscou lhe olhando. — Não, eu só... Hum... Talvez um pouco.
Sorriu mais. — Isso é tão estranho assim?
— Eu só não sei bem como agir com você.
— Aja como sempre agiu, só que... diferente. — Gun franziu o cenho e Kihyun percebeu não ter sido muito explicativo. — Você já se relacionou antes, mais vezes do que eu. Sabe como é.
— Hum... Eu vou tentar. — Falou. Era confuso para Gun. Aquilo era uma amizade colorida? Deveria agir como um namorado ou ficante? Ele não sabia.
Kihyun percebeu que Gun continuava confuso e se levantou, dando a volta na mesa e sentando em seu colo. Ato que pegou completamente desprevenido o Song.
— Só faça comigo o que você tiver vontade. — Falou baixo. A voz mais sensual do que pretendia. Aproximou seu rosto, não tendo resistência de Gun, que só se deixou levar pelo momento, tentando não pensar muito.
Quando juntou seus lábios aos do mais velho esse retribuiu ao selar, fechando os olhos. Era uma sensação estranha beijar Kihyun. Se você quiser comparar, é só imaginar seu melhor amigo ou amiga, aquele que você nunca teve ou teria nada romântico, e agora imagine vocês se beijando. Parece estranho, não é? Era isso que Gun sentia, mas concluiu que não era muito diferente de ficar com alguém desconhecido na balada. Você não o amava e nem nutria algum sentimento. Nem o conhecia direito. Mas o beijo seria prazeroso igual, então Song se deixou levar e tentou não parecer insatisfeito, até porque o beijo de Kihyun era mais do que satisfatório, e ele não precisava gostar do Yoo para concluir isso.
O selar se intensificou e se tornou um beijo de língua. O primeiro de muitos deles. Kihyun levou as mãos até a nuca de Gun, intensificando ainda mais o osculo. Gun, que tinha as mãos repousadas nas coxas do mais novo sem nem perceber, levou-as até suas costas e desceu até a altura do cós da calça. Era de tirar o fôlego aquele beijo. Deixou os corpos quentes e alerta, Song estava gostando, mas não durou muito. Quando Gun o puxou um pouco mais para perto, apertando de leve suas costas, Kihyun se separou do beijo com um gemido baixo de dor. Gun abriu os olhos para ver o que aconteceu, vendo Yoo tendo os olhos fechados com força, em uma pequena careta que estava longe de ser feia.
— Desculpa, te machuquei?
Kihyun abriu os olhos, ainda parecendo sentir dor, mas se controlando. — Não, tudo bem. Os ferimentos ainda não fecharam. — Explicou e só então Gun notou as mãos úmidas.
Assustado e preocupado ele retira as mãos das costas de Kihyun e olha para estas, que agora continha uma cor escarlate. Arregalou os olhos e olhou para Kihyun.
— Você está sangrando. — Disse o óbvio.
— Não se preocupe, isso é normal. — Falou simplista, como se não fosse nada demais.
Gun fez com que Kihyun se levantasse de seu colo e se levantou também. — Vem, eu vou te ajudar com isso. — Puxou o rosado pela mão, guiando-o até o quarto.
Assim que entraram Gun o deixou sentado na cama, depois saiu do quarto e voltou com um quite de primeiros socorros, que deixou ao lado do Yoo.
— Tire a blusa para eu poder fazer o curativo. — Pediu.
— Não precisa Gun, eu posso fazer sozinho.
— Deixa de ser teimoso. — Retrucou. — Anda, tira a camisa e vira de costas.
Kihyun suspirou derrotado, se sentou na cama de costas para Gun, mas não tirou a camisa, apenas levantou-a o suficiente para que Song refizesse o curativo. Ele se aproximou e retirou as gazes, agora sujas, revelando um corte horizontal que, embora estivesse com pontos, parecia ser profundo. Por um instante Song ficou só parado observando, pensando pelo que ele deveria ter passado, mas logo se recompôs. Abriu a caixa e retirou água oxigenada e um pano. Molhou o tecido com o líquido antibacteriano e passou sobre o corte, limpando a área e fazendo Kihyun dar gemidinhos baixos e contorcer o rosto. Gun percebeu que ele estava se segurando para não aparentar a dor que sentia. Após limpar a área pegou uma pomada anti-inflamatória e passou com o indicador no corte. Kihyun arqueou levemente as costas em reação. Terminou os curativos pondo novas gazes e Yoo abaixou a camisa quando terminado.
— Pronto. — Se pronunciou e Kihyun se virou na cama, ficando sentado de frente. — Agora só falta refazer os ouros curativos.
— Não precisa, eles não se abriram. — Falou depressa.
Arqueou uma sobrancelha. — Está com vergonha de mim?
— Não estou com vergonha. — Mas seu rosto corado dizia o contrário.
— Pra quem estava sentado no meu colo a pouco, você me parece bastante envergonhado. — Sorriu de canto.
— Já disse que não estou envergonhado.
— Tudo bem. — Pôs as mãos para cima em rendição. — Então por que não me deixa ver?
Kihyun desviou o olhar, antes que pudesse responder um barulho alto é ouvido na sala. Song abre a porta e sai do quarto para verificar, logo que está no corredor já consegue avistar Changkyun com duas sacolas na mão, cabelos bagunçados e claramente bêbado. Hoseok havia saído do banho e estava o ajudando a andar sem pisar no vidro do vaso que ele acabara de quebrar. Gun ficou aliviado de ver que ele voltou por conta própria e aparentemente bem.
— O quanto você bebeu? — Perguntou Gun, quando se aproximou.
— Mi deija im paiz, seu basstardu. — Soluçou apontando torto para Gun e deu mais um passo, quase caindo sobre Hoseok.
— Pé direito, agora o esquerdo. — Hoseok segurava seus ombros, para que não caísse.
— Naum preciso da sua ajuda. — Falou enrolado, tentado se soltar de Hoseok.
— Ai! Minha cara. — Shin o segurou novamente. — Vamos, tá na hora de ir dormir.
— Vucê não é minha maen! — Falou mais alto e riu em seguida. — Eu nem tenho mãe. Hey, você pudiria ser minha mãe.
Hoseok olhou para Gun e para Kihyun, que observavam a cena sem saber o que fazer. — Para de falar doideiras.
— Vô ti chama di Vanessa. — Caiu para o lado e Hoseok passou um braço sobre seus ombros.
— Onde eu ponho ele?
Gun e Kihyun se entreolharam.
— Põem no sofá. — Kihyun deu de ombros e voltou para o quarto.
Hoseok olhou para Gun. — Vou deitar ele na cama do Hyungwon, já é tarde e provavelmente não voltara hoje.
Gun anuiu e Wonho saiu carregando um Changkyun bêbado pelo corredor até o quarto.
— Eu naum posso dormi. Estou di plantão. Planta. Plantinha. — Resmungou enrolado o bêbado, rindo em seguida.
Hoseok tinha razão quanto a Hyungwon, ele não passaria a noite em casa.
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Naquela mesma noite mais cedo, Shownu decidiu que dormiria fora. Anteriormente, logo depois do ocorrido com Minhyuk, Shownu foi fazer um novo curativo no quarto de Seokwon, pegando uma blusa emprestada deste e saiu da mansão em seguida. Tentou esvaziar a mente até passar a raiva, dirigiu durante bastante tempo até estacionar em um local mais afastado do centro. Era um pico rochoso deserto, uma rota que dava para Incheon. De lá de cima dava para ver toda a cidade de Seoul. Se sentou no chão e ficou observando o crepúsculo que se escondia atrás dos prédios que daquela distancia pareciam uma maquete. O céu escurecia à medida que o tempo passava, dando espaço para estrelas salpicadas no céu e as luzes da cidade, pontilhadas como estrelas na terra.
Aquele tempo que passou somente observando aquela paisagem o acalmou e diminuiu sua raiva, mas substituiu esse sentimento pela mágoa e ressentimento. Ele tinha vontade de gritar. Gritar para todo mundo o quanto era burro por ter esperanças em algo que nunca iria acontecer. Se deitou para trás da terra árida, contemplando a vastidão do céu negro e todo seu cosmos. Pensou tanto sobre tantas coisas, que sua cabeça doía e não raciocinava direito. Estava tão frustrado. Queria fazer algo sobre isso, mas não sabia o que. Queria falar com alguém, senão explodiriam. Mas quem?
Foi quando Shownu ligou para Hyungwon. Não pensou muito sobre, apenas pegou o celular e telefonou. O Chae não perguntou o motivo da localização e também não demorou a chegar até onde Shownu estava. Son só notou sua presença quando ouviu o rugido do motor de sua moto e esta estacionar logo atrás de seu carro. Shownu se levantou e se virou para trás, vendo Hyungwon descer da locomotiva e tirar o capacete, o repousando sobre o banco.
O Chae não fazia ideia do que poderia ter acontecido ao mais velho para que este o ligasse, mas julgou que fosse algo sério e não pensou duas vezes em ir ao seu socorro. Hyungwon se lembrava de Shownu ter o acompanhado na corrida, ter o procurado na torre do dragão, levado uma facada e depois o carregar escadaria abaixo, mesmo ferido, até de volta ao carro. Ele estava mais do que grato e se pudesse recompensa-lo e o ajudar de alguma forma, então faria.
Hyungwon se aproximou. — Shownu, o que aconteceu? Está tudo bem?
O mais velho avistou-o se encaminhando em sua direção e apressou o passo até si, surpreendendo Chae ao que suas mãos rodearam sua cintura, o puxando com certa agressividade, colando os quadris e iniciando um beijo afoito e intenso. Hyungwon arqueou os ombros em surpresa, mas foi se acalmando a medida do possível com o tempo. Uma das mãos de Shownu se direcionou até a nuca de Chae, intensificando o osculo de uma forma bruta, mas sensual. Passou a língua nos lábios de Hyungwon e ele o abriu, permitindo que as línguas se tocassem e dançassem em um ritmo único. As mãos do mais novo estavam repousadas no peitoral do outro, apertando o tecido da blusa azul-escura entre os dedos. Os estalos das bocas e respirações descompassadas sinfonizavam, causando mais calor ao frenesi dos corpos. Shownu encerrou o beijo e Hyungwon mais do que apressadamente se pronunciou.
— O que aconteceu para você fazer isso? — Perguntou arfante.
— Eu não quero falar agora. — Sua voz estava audível e firme.
— E o que você quer?
Shownu pôs as duas mãos em sua cintura e a apertou. — Fazer algo sem significado.

Black X WhiteWhere stories live. Discover now