2 | destilar veneno

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Não foi decepcionante ser recebido no aeroporto e levado a casa por alguns funcionários

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Não foi decepcionante ser recebido no aeroporto e levado a casa por alguns funcionários. Eu sequer esperava que o meu pai tirasse alguns minutos do seu precioso tempo e os gastasse comigo.

Isso seria suspeito, caso acontecesse.

Estar de volta a casa depois de onze anos me parecia estranho. Afinal, eu era só uma criança quando ele praticamente me forçou a ir embora da cidade após a morte da minha mãe. Soube que o que ele contou às pessoas era que eu havia decidido passar algum tempo com a minha avó paterna por estar abalado demais para continuar a viver na casa onde passei os "melhores momentos da minha vida, em família". Nem fodendo que ele contaria a verdade às pessoas, uma vez que a imagem de marido, pai, cidadão e político perfeito era a coisa mais importante da sua vida.

Pelo pouco que sabia, seu cargo não era mais o mesmo, já que ele sempre tivera sucesso muito provavelmente devido ao seu "esforço", corrupção e laços com pessoas sujas e perigosas. Ele parecia até não ser filho da minha avó, que morrera há alguns meses. Para que ninguém pensasse que ele abandonou a única pessoa com laços de sangue directos, fui forçado, desta vez, a voltar para casa.

E eu achava melhor assim. Lidar com os demônios do passado, que sempre me assombrariam, seria mil vezes melhor do que passear pela casa onde passei a infância. A avó Margareth era uma das melhores pessoas que eu conhecia, se não a melhor de todas. Não era como se eu tivesse conhecido assim tanta gente "formidável", de qualquer forma. Ela era simpática, caridosa, pura, e cuidava de mim como se eu fosse a coisa mais adorável e importante do mundo, mesmo quando eu não merecia. Por isso, era assustador pensar e concluir o tanto de decepção que deveria sentir ao ver no que o seu filho e meu pai, Marco O'Connell, se tinha tornado.

Eu era o seu infinito poço de decepção, e ele o meu inferno particular. Eu me considerava amaldiçoado por ser seu filho. A única coisa positiva eram os bens que eu teria no futuro, porém, eu preferia não ter nada do que passar por tudo o que passei. Mesmo depois da viagem, ele acumulava bens em meu nome, dinheiro que parecia inesgotável e eu tive uma vida repleta de luxo e fama, a troco de ficar calado sobre tudo o que tinha acontecido em casa, apresentar um comportamento para lá de perfeito para não sujar o nome da família e ser um exemplo na escola e universidade.

Mesmo que eu fosse irresponsável e rebelde de vez em quando, bastava uma pequena ameaça para que voltasse a casa sem nenhum arranhão. Ninguém podia tocar no filho de Marco O'Connell, porque isso passaria uma má imagem dele; do pai que não protege o único filho. E não havia absolutamente nada que Marco não fizesse para ser visto como um exemplo em todos os aspectos da sua vida, mesmo que isso implicasse derramar sangue e destruir vidas e carreiras alheias de forma discreta.

Como eu sabia de tudo isso? Era algo óbvio. Eu sabia muito bem que tipo de pai tinha. E mesmo tendo estado longe de casa por tanto tempo, deveria visitá-lo contra a minha vontade para que passasse a figura de bom filho, e ele a de um bom pai. Além disso, haviam os intermináveis e chatos eventos e jantares de negócios e afins nos quais os seus "amigos" destilavam veneno e exibiam suas belas esposas, posses e ideias mirabolantes para maiores ganhos de dinheiro.

IDRISWhere stories live. Discover now