26. Casamento de viúva

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Jeongguk estava se sentindo um pedaço de merda.

Deitado em seu colchão velho, encarava o teto mofado de seu apartamento e se sentia dentro de uma catedral gótica. Não pela magnitude das paredes que tentavam alcançar os céus, muito menos pelos vitrais que perturbavam sua mente em todo aquele caleidoscópio de cores e não havia gárgulas na decoração exterior de seu prédio para protegê-lo. Até porque nas catedrais tais monstros eram apenas disfarces para a encanação.

Se sentia em uma dessas construções justamente pela sensação que elas evocavam a quem adentrasse-as, fazendo jus ao motivo de serem feitas dessa forma, tão grandes: Os fiéis precisavam se sentir pequenos perante à magnitude dos feitos de Deus, ao universo criado por Ele.

Mas para Jeongguk, não existia um ser divino que o provocasse tais sentimentos, mas sim um humano. A falta do sobrenatural no corpo de Baekhyun era a pior parte, não dava para fingir que ele não existia.

Talvez fosse melhor cravar os olhos no chão e se esquecer dos vitrais, naves e pilares que sustentavam toda a altura do teto. O inferno parecia mais iminente que o céu.

Ao menos era isso que os últimos dias o fizeram acreditar, apesar de tentar muito olhar para as manchas em sua parede a fim de encontrar uma forma a ser contornada, quem sabe elas se transformassem em algo bonito, tão escondido e imperceptível aos olhos desatentos. Mas sua visão não conseguia ir além, para ele o mofo ainda era e sempre seria feio e disforme.

Acostumado com aquela velha sensação de parecer estar sufocado dentro de si mesmo, Jeongguk tentava se agarrar a algo que o fizesse bem e por isso estava com os olhos fixos em seu caderno, os cotovelos apoiados nos lençóis limpos e as pernas balançando no ar. As canetas estavam bagunçadas na cama e Nanquim tentava pegá-las, mas a falta do polegar opositor em felinos fazia da cena um tanto agradável e distrativa para o artista, que apenas tentava terminar o desenho do seu namorado.

— Eu podia te desenhar. — Iniciou uma conversa com o gato, balançando uma das canetas de ponta pincel, tentando ativar o resto de tinta que ali havia. — Mas minha canetas estão secando e você sabe, preciso finalizar o cabelo do Jimin-hyung, que é preto igual o seu pelo. Você se lembra dele?

Ficou olhando para Nanquim à espera de alguma reação, mas as canetas pareciam realmente divertidas e nem as orelhas foram direcionadas a si. Deu de ombros e voltou a pintar os fios com toda a paciência do mundo para que nada ficasse manchado, mas a frustração crescia à medida que a tinta insistia em ficar mais fraca a cada nova passada no papel e o tom do cabelo se diferenciando do restante que já havia feito semanas atrás.

Olhou do desenho falhado para a caneta praticamente seca e, num ímpeto desesperado, a esfregou com força no papel que mesmo com a gramatura maior se rasgou, machucando a página seguinte. Parou de repente e encarou o que havia feito, a garganta afogada numa frustração repentina. Tão rápido se levantou e a caneta já estava no lixo, o caderno fechado para que não precisasse conviver com mais uma de suas falhas. O fôlego se perdeu, a respiração acelerou.

"Mais uma?", pensou consigo mesmo e fitou a cama bagunçada, seus pés descalços em contato com o piso frio o incomodava, mas não ao ponto de tentar resolver o problema. A lembrança do fim desastroso de uma noite que já estava distante e o rosto dos invasores inoportunos ainda batiam em sua porta. Assim como as mentiras contadas ao criador de sua catedral, avisos dados por ele para que se mantivesse seguro, mas que só lhe provocavam ainda mais medo.

Via o desenho se juntando ao amontoado de falhas que colecionava devido à cor de seu cabelo e não conseguia pensar diferente, afinal, só não comprou outra caneta porque aquilo era um luxo que não estava em condições de se dar. Já era fim de mês e ele ainda não havia mandado dinheiro para a sua mãe, será que ela notou?

Asian Scars × jikookWhere stories live. Discover now