37. Você é como kintsugi

699 141 57
                                    

Algo parecia errado naquele fim de tarde.

Sem querer, Kouyou saiu da cama com o pé esquerdo e lamentou-se ainda sonolento. Mas ter passado debaixo de uma escada aberta na calçada pareceu piorar um pouco o seu dia. Tropeçou quando foi atravessar a rua e o carro não pegou de primeira quando rodou a chave na ignição. Não era supersticioso, mas uma pulga foi plantada atrás da orelha e mesmo assim, ele continuou como se não fosse nada.

O que aconteceria se tivesse encarado os pequenos sinais e cancelado aquela venda? Ainda estaria traficando armas de fogo? E se tivesse prestado mais atenção ao homem que dizia apenas querer defender a sua casa no centro de Gangnam? A Coréia é um país tão seguro, o que de fato o amedrontava? E se tivesse motivos maiores, por que não contratar seguranças?

O fato é que Kouyou não desconfiou de nada e desejou ser mais esperto. Quando viu o sol começar a tornar-se laranja demais, ouviu o Aviso de Miranda ser anunciado com a arma que pretendia vender, apontada diretamente para a sua testa:

— Você está preso por tráfico de armas de fogo. Tem o direito de permanecer calado e tudo o que disser poderá ser utilizado contra você no tribunal. — O policial tinha um sorriso jocoso nos lábios, performando divinamente com a ironia da cena.

E um filme passou pela cabeça de Kouyou: O Procurado. Quando Sloan pede para que Wesley atire nas asas das moscas e ele, sob pressão, consegue acertá-las e as recebe em mãos, sem as asas. Logo, ouve a explicação sobre os seus ataques de pânico se tratarem de uma alta dose de adrenalina que o permitia ver e reagir mais rápido do que o normal. Sloan e os outros personagens sabiam do sangue de assassino que circulava nas veias de Wesley e queriam usufruir disso. Acreditavam que Wesley era especial.

Kouyou queria ser especial e fazer coisas incríveis com uma arma na mão, mas vê-la apontada para si o fez sentir que era apenas uma das moscas que sempre acabaria perdendo as asas para alguém mais capaz, do jeito que a sua mãe sempre acreditou que aconteceria.

(...)

A frase dita por seu pai ainda ecoava em seus pensamentos e havia vezes em que Jimin desejava voltar no tempo só para não ter feito tantas perguntas e evitado aquela conversa. A ideia doía mais do que a realidade, não ser Jeongguk o seu único e primeiro amor já o dava a resposta do fim que ele não queria aceitar.

Estavam juntos e algo na forma como o sol nascia todas as manhãs mostrava toda a sua insistência em provar que seu pai estava errado, pois mesmo entre nuvens pesadas e aparecendo por poucas horas durante o inverno, ele aparecia. Assim como o lampejo da vontade de fazer aquilo dar certo que surgia algumas vezes durante o dia, mesmo sem saber em que passo Jeongguk estava de resolver a sua vida e finalmente ficarem juntos.

Queria que algo acontecesse. Queria que ele viesse de qualquer jeito para matar a vontade do seu cheiro, que ele telefonasse mesmo que desligasse assim que ouvisse o seu alô, só porque não podia mais aguentar muito tempo sem escutar a sua voz. Por que Jeongguk precisava ser tão disciplinado?

Jimin achava que já havia aguentado mais do que conseguia e, nessa ânsia, acabou pegando o telefone e ligando para o número dele. A cada toque não atendido, Jimin respirava menos, seu coração batia mais rápido e as pontas dos dedos ficaram geladas a ponto de ele começar a tremer de frio, nervosismo e medo sabe-se lá do quê.

Parecia ter se passado uma eternidade desde o primeiro toque e, quando percebeu que não seria atendido, afundou de pouco a pouco na cama, a cabeça fundindo-se aos travesseiros. Para o seu azar, não havia nenhuma mensagem com a voz dele para deixar um recado, apenas a automática e robótica da operadora.

Tentou mais uma vez, mas a caixa postal surgiu logo de cara, como se o celular tivesse sido desligado, ou, quem sabe, tivesse ficado completamente fora de área de uma hora para outra. Suspirou e pensou que o registro da sua ligação já estaria lá de qualquer forma e decidiu mandar um "oi" por mensagem. Digitou não esperando que a mensagem chegasse até ele de imediato. Era só Jimin e a luz baixa do seu abajur, os olhos fixos no canto superior do ecrã porque queria ter um sinal de que ele estava em algum lugar, mesmo que apenas aparecesse online de repente e saísse porque não sabia se deveria respondê-lo.

Asian Scars × jikookOnde histórias criam vida. Descubra agora