36. Novos ares, dores incuráveis

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Sung-min não gostava da ronda noturna. Às vezes, perdia o sono e conseguia enxergar os longos feixes de luz das lanternas dos guardas. Olhava para a janela e o vidro texturizado mal o deixava ver a forma exata do sol, mas, durante a noite, era como se vislumbrasse o giroflex em azul e vermelho iluminando todo o pequeno cômodo do qual vivia antes de estar ali, numa cela dividida com outros três caras dormindo logo ao lado.

As luzes evocavam memórias que não faziam mal, nem bem. Eram parte da história de Sung-min, mas uma parte que não seria contada para parecer especial, ou excitante. Tudo aquilo só mostrava o quão fraco era, tanto o seu físico, quanto a sua mente. As pernas doíam por estar agachado debaixo da janela por tanto tempo, o suor escorria em fios intensos pelo rosto e ainda era noite de outono. Já o seu consciente, tentava dizer para si mesmo que tudo estava bem quando claramente não estava. A polícia estava a sua procura e Sung-min não saberia explicar o porquê de estar em posse de tantas notas de wons.

— Eu vendi toda a droga que me pediram, eu tenho o direito de ficar com o dinheiro.

Era o que a parte perturbada da mente dele dizia, enquanto a outra, mais realista, não conseguia parar de repetir:

— Fodeu. Fodeu. Fodeu. Fodeu...

(...)

Hoseok morava em um apartamento alugado, típico da capital. Era pequeno e as paredes permaneciam brancas porque ele não queria reformá-lo quando precisasse entregá-lo. No entanto, os seus móveis pertenciam a uma paleta aleatória de cores. O sofá da sala era amarelo, a poltrona era verde musgo e a mesa de centro era em mogno com tampo de vidro, mas sem objeto algum por cima. Havia um quadro de um vaso cheio de flores em tons amarelados na parede, coisa bem genérica que não expremia nenhum traço da sua personalidade, não que os móveis fizessem isso por ele. Hoseok não era muito bom em ver as coisas em conjunto, o sofá era bonito sozinho, assim como a poltrona e, para ele, aquilo bastava.

Quando Taehyung entrou ali pela primeira vez, não sentiu que estivesse pisando em terreno desconhecido. Conhecia bem Hoseok e a combinação de cores dos estofados não chamou muito a sua atenção. Mesmo que os cômodos fossem mais vazios do que ele esperava, ele ainda conseguia ser muito bom em se apegar aos detalhes.

O frasco pela metade do perfume amadeirado estava sobre a pia do banheiro. Bonés de várias cores se enfileiravam em uma prateleira do guarda-roupa e livros aleatórios comprados em um período de tempo se amontoavam em um canto da escrivaninha.

A polaroid dos quatro amigos com os rostos estourados pelo flash da câmera estava presa por um imã na geladeira. Ver o rosto de Jeongguk estampado em algo tão rotineiro fez doer um pouco o seu peito. Não se lembrava daquele sorriso de nariz enrugado e dentes tão expostos, os olhos se apertaram devido à luz forte e ainda sim, ele parecia tão feliz. Uma vontade súbita de saber a data e contexto, não só da foto, mas da vida dele, surgiu na boca do estômago e Taehyung só conseguiu suspirar dolorosamente e virar o rosto.

Às vezes, Hoseok se pegava observando o modo como Taehyung olhava tudo ao redor, lendo de longe os títulos dos livros na lombada, parando para olhar com mais cuidado para os desenhos de tatuagens colados na porta aberta do guarda-roupa. Tatuagens feitas por Jeongguk para quem ainda não pensava em gravá-las na pele.

E ele não se atrevia a perguntar o que Taehyung estava pensando, só deixava que pequenos pedaços dele se juntassem aos seus, como o perfume dele que ficou grudado em algumas das suas camisetas, uma caneta que ficou perdida na cama depois de ter rabiscado o esboço de qualquer coisa e um livro esquecido na mesa de cabeceira foi folheado com a memória do porquê de ter sido jogado ali de repente.

E era assim que as coisas estavam desde o primeiro beijo. Desde a primeira noite que passaram juntos e as ligações noturnas foram substituídas por convites para assistir a um filme juntos. Às vezes, Taehyung achava que ele se aproveitava das ligações porque era algo que pedia por uma resposta imediata. O que fazia Taehyung suspeitar que Hoseok gostava de colocá-lo contra a parede. Se ele ligasse, convidando-o com aquela voz sorridente e encantadora, não conseguiria resistir e nem pensar muito sobre as mil possibilidades de tudo dar errado.

Asian Scars × jikookWhere stories live. Discover now