Capítulo 2: O Herói

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Acordei em um galpão cheio de peças velhas de carro, talvez fosse um ferro-velho. Já era noite, parecia madrugada. Só havia o coaxar de sapos e o canto de cigarras ao longe, do lado de fora. Senti minha cabeça latejar. Me lembrei do machucado que um brutamonte fez em mim e levei uma das mãos até a ferida, para verificar o estado em que se encontrava. Esperava que minha mão fosse ficar ensanguentada ou que talvez eu tocasse cascas de um machucado. Mas não senti nem um e nem outro. Próximo à linha do meu cabelo, havia um curativo. O que era estranho, pois a minha última lembrança era de alguém tentando e possivelmente conseguindo me estuprar. Não fazia sentido ele me machucar e depois cuidar dos meus ferimentos. 

Passei a mão pelo corpo para identificar a minha roupa, já que o tato, naquela escuridão, era o sentido que eu mais estava conseguindo usar. Eu estava com a mesma calça jeans, o mesmo tênis, somente a blusa que diferenciou. Eu acho que estava vestindo uma blusinha cinza com uma estampa de caveira. Era a única camiseta regata que eu tinha e era a que eu, provavelmente, estava vestindo no momento.

Perto de onde eu estava deitada, haviam duas garrafas d'água e um pacote de cookies de chocolate. Sentei-me com dificuldades, estava com muita dor nas costas, além da dor infernal na cabeça.

Ouvi o portão do galpão correr para o lado, se abrindo.

Vislumbrei, através do brilho da lua que iluminava o lugar, uma silhueta masculina alta, robusta e o dono das descrições tinha o cabelo cortado curto. Foi só o que consegui ver com tão pouca iluminação. Ele acabou de abrir o portão e me viu acordada. Pude perceber que ele não era o mesmo cara que me atacou no meu apartamento. Ele era diferente. Ele caminhou na direção de uma mesa, na lateral do galpão, que tinha sacos gigantes cheios de latinhas amassadas, em cima, achou um interruptor e iluminou o lugar por inteiro.

Eu não tive muita coragem de encará-lo, mas pude perceber pelos meus olhares de soslaio, que ele era bonito. Não uma beleza clichê, mas uma beleza única.

– É melhor você se hidratar – Fez um gesto indicando as garrafas d'água. A voz dele era firme e precisa.

– Quem é você? Onde estamos? Como chegamos aqui? Eu me lembro de estar no meu apartamento e... – Ele me interrompeu

– Calma. Uma pergunta de cada vez. Como você está se sentindo? Você levou várias pancadas na cabeça... – Ele me olhou com cuidado, examinando meus ferimentos.

– Não responda a minha pergunta com outras perguntas e nem tente me enrolar. Quem é você? – Perguntei decidida. Ele se aproximou de mim e abaixou-se, igualando a altura dos nossos olhares.

– Pode me chamar de Benny e antes que você pergunte novamente, meu nome é Benício, mas quase ninguém mais me chama assim. Estamos em Bonto, é um município rural, não restaram muitos vivos por aqui. 

- O que está acontecendo? Como chegamos aqui?

Ele pensou por um momento e logo disse: - Quando tudo isso começou, eu logo me juntei com um grupo e estávamos em busca de coisas que fossem úteis para nos manterem vivos. Mas nem todo mundo era a favor de pegarmos só o que precisávamos. Alguns tinham a ânsia de transgredir as regras e viram nesse caos a oportunidade 'pra' isso. Ivan, o cara que te atacou, era assim. Só queria machucar as pessoas. Ele não estava preocupado com a sua própria sobrevivência, somente com o momento, no ''aqui e agora'', como ele mesmo costumava dizer. Quando chegamos ao seu prédio, para procurar suprimentos, ele já tinha em mente que iria pegar uma mulher e ... – Ele fez outra pausa, como se pedisse desculpas pelo ''amigo'' agressor.

– Está tudo bem. Continue. – Indiquei para que continuasse a contar de como chegamos até ali.

– Ele já havia comentado com um dos seus conchavos o que iria fazer. O que não era segredo para ninguém do grupo e eu fiquei de olho nele. E foi quando ele entrou no seu apartamento e te atacou... Se eu tivesse chegado alguns minutos depois, talvez, nem com vida você estaria agora. – ele se levantou e estendeu uma das mãos para que eu me lentasse também. Eu segurei sua mão, fiquei de pé e cambaleei, devido à labirintite momentânea, e ele me segurou pela cintura, me dando equilíbrio. Eu tinha que fixar o olhar em algum ponto para que a tontura passasse e foi exatamente na boca do Benny que os meus olhos foram parar. Eu fechei meus olhos, pois reparei que ele ficou me encarando e eu nem o conhecia direito para trocar olhares atrevidos com ele. Respirei fundo algumas vezes e abri meus olhos. Ele me conduziu até uma cadeira e fez com que eu me sentasse.

– Ok. E como chegamos aqui? Onde está o seu grupo agora? – franzi o cenho, eu parecia irritada, mas não era a minha intenção.

– Você é apressada, hein? Já estou chegando lá. - Ele se virou e pegou uma garrafa d'água no chão, abriu e me ofereceu. Eu a peguei, mas não bebi de imediato. – Então, assim que eu me livrei do Ivan e vi que você estava desmaiada, peguei alguns itens na sua casa e te trouxe para cá. Por que não se livrou da morta-viva? – ele sentou na ponta de uma mesa e me encarou com uma expressão curiosa.

– Que morta-viva? Do que está falando? – eu sabia do que ele estava falando, mas ouvir o termo ''morta-viva'' me deixou com raiva. Eu não queria pensar que a minha mãe havia morrido e que ao mesmo tempo, por causa de um vírus, ela continuava ''viva''. Não era essa lembrança que eu queria guardar da minha mãe, que eu tanto amava.

– A mulher em um dos quartos... Porque não a matou? – E ele insistia.

– A morta-viva, como você disse, é minha mãe. Eu não tive coragem de machucá-la, mesmo ela tendo tentado me morder. Eu fiquei sem reação ao vê-la daquele jeito, espumando aquela gosma vermelha pela boca e me encarando, sem ao menos saber quem eu era. – Uma lágrima ameaçou rolar pelo meu rosto, mas eu a mantive fixa nos olhos. Eu não podia chorar na frente de um estranho, principalmente daquele estranho, que me deixava tão à vontade em sua presença.

– Entendo... E respondendo sua última pergunta, o meu grupo deve estar saqueando outra cidade uma hora dessas, bem longe daqui. Não se preocupe, ninguém lhe fará mal de novo. – Ele me deu um olhar terno e se eu fosse boba, como eu costumava ser no passado, teria me apaixonado naquele momento.

– Você fugiu do seu grupo só para me salvar? – Eu não podia entender por que um cara que tinha um grupo que o ajudaria a sobreviver sairia do mesmo só para ajudar uma garota que nem ao menos conhecia.

– Não foi só por você, mas você me ajudou a tomar a decisão. Eu não estava me adaptando àquelas pessoas. Sei lá, eu precisava organizar as minhas idéias e você mostrou o que eu precisava fazer. Eu já estava há algumas semanas com aquelas pessoas e o tempo me mostrou que eu precisava de outros ares e... – eu interrompi

– Como assim há algumas semanas? Desde quando isso vem acontecendo? – Aquilo me pegou de surpresa.

– Os primeiros casos surgiram há umas três semanas. Ninguém sabe o que é esse vírus, mas tudo começou com um idoso, após tomar a vacina de gripe, ele apresentou os sintomas. Ele teve uma forte gripe, perdeu muito peso e tudo o que ele teve depois disso, só contribuiu para que ele colocasse os pés na cova, ou melhor, morresse, já que ele não foi enterrado. Mas, assim que ele morreu algo estranho aconteceu. E ele voltou à vida. Só que ele não era mais aquele velhinho carismático de antes da morte. Ele voltou agressivo e faminto. E a fome que ele tinha era de carne humana. Essa teoria foi posta à prova, assim que um enfermeiro foi checar seus sinais vitais e o velhinho o mordeu, se alimentando do pobre coitado e que por sua vez, também virou um morto-vivo. – ele me olhou para ver se eu estava acompanhando o raciocínio e eu estava. – E foi assim que eles acharam que era uma arma biológica lançada por algum governo, mas o exército interviu e acabou com o assunto. Tudo aconteceu tão rápido que nem deu tempo de investigarmos a fundo o que estava acontecendo. Só deu tempo de nos anteciparmos para uma possível guerra.

– Porra. – foi a única coisa que consegui dizer, o que o fez rir. Sua risada era comedida e convidativa. – O que foi? – perguntei, querendo saber o que o tinha feito achar tanta graça.

– Você é desbocada assim, normalmente? Eu te contei a história de uma possível arma biológica e a única coisa que você me responde é: porra? – Ele me encarou, mas sua expressão era divertida.

– Não sou desbocada. Só fiquei chocada com a história... Onde está a sua família agora? – A minha pergunta foi como um soco em seu estômago.

Ele se levantou e caminhou até a entrada do galpão.

– Vamos até àquela casa da esquina, te preparo um banho, se quiser. Acho que você não está com sono, não é? Visto que dormiu várias horas seguidas. – Ele se apoiou no portão, de costas para onde eu estava sentada e abaixou a cabeça, como se estivesse lamentando alguma coisa.

– Dormir? Nem pensar. – respondi rapidamente. Eu queria sair o mais rápido possível daquele clima tenso que ficou no ar. – Será que aqui tem sinal de internet? Pouco provável, não é? – eu ri, mas não estava achando tanta graça quanto a minha risada transpareceu.

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