Capítulo 14: Rosas, Jantares e Chocolates Belga

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Me dirigi ao terraço para ver como estavam as coisas por lá. Caminhei sorrateira e me aproximei de Lobo Selvagem.

- Eu ouvi você subindo desde o terceiro andar, não vai me assustar. Mas valeu à tentativa. - Eu podia vê-lo de perfil, sorrindo e olhando o horizonte.

- Droga. Eu jurava que estava andando na ponta dos pés para não fazer barulho. - Eu ri por ter sido descoberta.

- Oi, dorminhoca.

- Oi, Lobo Selvagem. - Dei ênfase ao Selvagem.

- Acho que vou deixar você ficar com o primeiro turno de vigia, já que está bem descansada.

- Sim, senhor. - Bati uma continência para ele, o que arrancou um amplo sorriso daqueles lábios carnudos.

- Já comeu?

- Ainda não. Vim direto 'pra' cá, depois que acordei.

- Precisa de alguma coisa? - Ele perguntou, me analisando atentamente.

- Não. Só vim ver como você estava aqui em cima. Como eu já vi, vou deixar você em paz para fazer o que está fazendo. - Dei as costas a ele e caminhei para a saída.

- Ei, espera. Pode ficar aqui, se quiser. A menos tenha que ir a outro lugar...

- Não tenho.

Nos olhamos por um longo instante e como na brincadeira onde se encara alguém e o adversário sempre perde ao sorrir, eu sorri.

- Sente-se aqui. Não tenha medo, eu não mordo.

Encostei-me na sacada do prédio, que era larga como uma cadeira. Ficamos em silêncio um tempo, só ouvindo os sons da natureza seguindo seu curso normal, o que queria dizer que tínhamos como sonoplastia o cântico dos mortos-vivos ao longe.

- Posso te fazer uma pergunta? - Perguntei.

- Até mais do que uma...

- A sua família, foram todos infectados?

Lobo Selvagem olhou fixamente para o chão. Seu maxilar estava cerrado e seus lábios se contraíram em uma linha fina.

- Desculpe, eu não devia ter tocado nesse assunto. Sinto muito.

- Meu irmão foi o primeiro. Ele não havia sido mordido. '' É a nova gripe, não se preocupem tanto. Logo ele estará melhor.'' , foi o que disseram os médicos. Ele ficou internado no melhor hospital do país, mas só piorou estando lá. Meus pais resolveram leva-lo 'pra' casa, porque não queriam prolongar o sofrimento dele naquele lugar. Uma noite, a última noite de sua vida, foi a mais difícil. A dor o consumiu, a febre não cessava e ele começou a expelir os pulmões, literalmente. Foi a coisa mais triste pela qual eu tinha passado até então. Meu irmãozinho estava morrendo e eu estava de mãos atadas assistindo aquilo. Todos nós estávamos, 'pra' falar a verdade. Meu pai disse que eu devia tê-lo protegido do que quer que fosse aquilo, mas como eu poderia impedi-lo de pegar uma gripe? Ele me culpou quando meu irmão se foi. Estava tão fora de si, esbravejando, que nem viu quando meu irmão se levantou pouco tempo depois. Minha mãe chorava debruçada sobre as pernas dele e foi a primeira a ser mordida. Quando fecho meus olhos consigo ouvir nitidamente os gritos dela. Meu pai tentou acalmar o que pouco tempo antes era o meu irmão, mas sem sucesso. Aquela coisa foi 'pra' cima dele tão rápido que ele nem teve tempo de reagir.

Lobo Selvagem fez um gesto com a mão apertando uma parte do pescoço, como se pudesse rasgar a carne. Ele estava visivelmente abalado em lembrar aquilo. Peguei sua mão livre e entrelacei às minhas.

- Eu sabia que não podia lutar com aquela coisa, mas eu precisava me proteger. Ainda não sabia como detê-las. Então corri até o escritório do meu pai e municiei uma pistola que ficava guardava em uma das gavetas da escrivaninha. Eu não queria atirar contra o que eu ainda achava ser meu irmão, mas o faria se preciso. Ele estava descontrolado, se batendo contra a porta do cômodo em que eu estava tentando entrar. Deixei que entrasse, apontei a arma contra ele, mas ainda assim vacilei. Ele continuou avançando na minha direção e quando percebi estávamos lutando, ou melhor, eu estava lutando e aquela coisa tentando desesperadamente me morder. - Ele fez uma pausa e inconscientemente brincou com os dedos das minhas mãos.

Diário De Um Apocalipse Zumbi - O Despertar Dos MortosWhere stories live. Discover now