Capítulo 6: Vivos x Mortos - Parte 1

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Nossa última parada para esticar as pernas e a coluna, foi há dois dias. Parávamos rapidamente para os ''chamados da natureza'', o que era jogo rápido. Voltar todo aquele percurso era frustrante, mas eu não podia deixar meu amigo se transformar em um dos ''famintos'' pelo simples motivo de achar o caminho longe demais para ser percorrido de volta.

Ricardo nos contou sobre seu antigo grupo. Disse que estavam em quatro pessoas e que, por azar, haviam sido emboscados em uma das lojas em que estavam procurando suprimentos. Quando questionado em como ele havia conseguido fugir, ele se esquivou de responder e começou a falar coisas aleatórias sobre sua vida antes do apocalipse. Benny estava distraído e quase não opinou em nossa conversa. Pude perceber que seu semblante estava carregado, sua boca estava cerrada em uma linha fina e sua postura era rígida contra o volante do carro. Ele me observou por um instante, abriu a boca para dizer algo, mas se conteve.

Será que ele estava irritado por eu ter chamado Ricardo para seguir viagem conosco? Eu iria descobrir...

– Precisamos parar... – Eu disse, decidida.

– Por quê? – Benny perguntou, sem desviar os olhos do horizonte.

– A natureza me chama, se é que me entende... – Respondi.

Ele esquadrinhou rapidamente o local por onde estávamos passando.

– Vamos parar ali. – Benny disse apontando para uma parada de caminhões meia boca na beira da estrada, cerca de um quilometro de onde estávamos.

Não o questionei quanto à aparência do lugar e muito menos quanto a possível higiene dos banheiros. Eu só precisava fazer xixi e esticar minhas pernas um pouco.

Chegando à parada, vários caminhões, ônibus, vans e carros haviam sido abandonados no local. O estabelecimento anteriormente funcionava como uma lanchonete, estava arrombada, o vidro das janelas quebradas formava um tapete brilhante e perigoso por todo o lugar e suas paredes estavam pichadas com palavras que eu não conseguia ler, devido à caligrafia que era péssima.

– Cinco minutos e seja rápida. Precisamos chegar ao Fundo do Vale antes do por do sol. – Benny olhou as horas em seu relógio de pulso e me deu as costas. Olhei para Ricardo, mas ele estava ocupado demais bisbilhotando um armário atrás de um dos balcões.

Segui as placas que pendiam do teto e achei o banheiro no fundo do amplo salão cheio de mesas dispersas. Eu ainda era nova em ''táticas de reconhecimento de local'', por isso fui andando devagar e escutando atentamente o ar. Me encostei na parede lateral ao banheiro feminino, tomei coragem e entrei corajosamente com meu punhal em mãos. Aparentemente não havia ninguém ali além de mim. Vasculhei cabine por cabine, sempre com meu coração quase saltando fora do peito de tanta adrenalina.

Acabei usando a última cabine.

Como eu ainda tinha tempo parei na frente do espelho e eu vi o reflexo de uma Melina fraca e vulnerável. Por um segundo, me lembrei da minha mãe e empurrei a lembrança para o fundo da minha mente, eu não estava pronta para cair no choro naquele momento. Passei água no rosto e saí do banheiro. Eu estava no meio do corredor, voltando para o salão, quando ouvi um barulho vindo do banheiro masculino e voltei. Pensei se tratar de Benny ou Ricardo. Bati na porta duas vezes e como não obtive respostas entrei. Dei de cara com um homem obeso e de estatura mediana. Ele usava um boné verde, calça de moletom preta e uma blusa branca que estava muito justa em seu corpo inchado.

Ele grunhiu tão alto, que pareceu um rosnado. Aquele barulho gutural vinha do fundo de seu peito e era assustador. Fui tomada pela surpresa e paralisei por alguns segundos, até sentir as mãos gordas se encravando em meus ombros. Eu empurrava o peito do ''faminto'' mas não adiantava. Ele era mais forte do que eu e estava chegando mais perto de mim com aquela bocarra escancarada e dela escorria um líquido viscoso vermelho escuro, o que mais se parecia com sangue coagulando. O homem tinha marcas de mordidas na parte lateral do pescoço e do ombro direito. Bati com meu cotovelo na parte interna do antebraço do cara, que afrouxou um pouco uma das mãos. Com um movimento de pernas rápido e rasteiro, caímos no chão. O homem bateu sua cabeça contra o lavatório de cerâmica, quebrando-o em vários pedaços afiados. Consegui me livrar do aperto do homem contra mim e rolei para longe. O ''faminto'' se ergueu e avançou de novo em minha direção. Entrei em uma das cabines e me tranquei. Ele forçava a porta, empurrando-a com seu corpo parrudo. Seu grunhido, agora, era mais agudo e parecia raivoso. Me abaixei e me arrastei entre as cabines até chegar perto da porta de saída e foi quando eu vi outro par de pernas parada à minha frente. Meu primeiro pensamento foi '' fodeu '', mas ao erguer minha cabeça, vi se tratar de alguém conhecido, Benny. Ele me segurou por baixo dos braços e me colocou de pé. O morto-vivo não viu que eu havia escapado e continuou forçando a porta no final do corredor de cabines. Eu e Benny saímos sem fazer barulho pela porta do banheiro e a fechamos atrás de nós. Meus braços estavam bambos de tanto empurrar o corpo podre e adiposo daquele homem. Sentei de costas para a parede, aliviada por Benny ter ido me resgatar.

Diário De Um Apocalipse Zumbi - O Despertar Dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora