Bel.

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Se indagasse as pessoas sobre o dia, a maioria descreveria uma agradável tarde. Céu anuviado, campo verde, o vento fresco bagunçando as árvores. Mas se você perguntasse para Bel Campos, provavelmente a menininha cuspiria sangue no chão, te olharia trombuda; dando as costas sairia caminhando. Isso tudo porque ela estava brigando.

– Maria Linda, retira já o que você disse da minha mãe. – Gritou Bel que tinha um corte na boca e nem ao menos notara. O olho daqui algumas horas estaria tão inchado que as pessoas teriam dificuldades de reconhece-la e perguntariam: "Picada de maribondo?".

– Retiro nadica de nada. – Disse Maria Linda batendo o pé na grama ao lado de suas duas amigas. Sim, a briga era pura covardia, Bel tinha só sete anos e Maria nove, bem alimentada à leite de cabrita era enorme pra sua idade, e ainda estavam em três, mas mesmo assim Maria se incomodava com seu nariz sangrento, presente de uma baita cabeçada de Bel que assombrou as outras duas meninas, aconselhando-as a nem entrarem na briga. Maria estava enfurecida e não daria o braço a torcer. – Sua mãe é bruxa sim senhora e seu maninho vai ser um belo monstrinho.

Bel gritou enfurecida e partiu pro ataque, correu pela grama e atingiu tão rápido e com tanta força a barriga de Maria Linda que as duas desabaram no chão, rolaram arrancando grama e terra, desceram a colina e Bel se deu muito mal quando ficou por baixo. O céu trovejou, Bel pouco se importava, só sentia as pancadas no rosto, puxão de cabelo também doía e sua cabeça bateu no chão duro, se odiou profundamente por chorar, mas são coisas que a gente não controla, as lágrimas mancharam o rostinho sujo, chorava mais pela humilhação do que pela dor, embora sentisse o rosto todo moído. As outras meninas puxaram Maria de cima, ela caiu sentada e levantou ensandecida, as outras se afastaram com medo e por conta disso Bel levou um grandíssimo chute no estômago, perdeu ar, retorceu-se no chão e olhou com muito ódio para Maria. Mais um relâmpago e as primeiras gotas de chuva caíram, batendo nas copas das arvores, no pasto verde, espantando pássaros e minúsculos insetos, limpando delicadamente; o rostinho ferido da pequena Belinda Lima Campos.

As três meninas saíram correndo e alguém riu lá longe.

– Bel é uma grande cagalhona!

Belinda tentava ficar de pé, com a mão nas costelas cambaleou até o laguinho. A chuva estava fraca, pouco mais que uma garoa, patos sacudiram as penas e os pescoções, grasnaram e levantaram voo, Bel sorriu, parecia ser a mãe e os filhotinhos. Ela viu seu reflexo na água, e quase chorou. Seu pai avisara que se continuasse brigando ia ficar como os lutadores de MMA as orelhas parecendo mastigadas por um cachorro, depois cuspida e mastigada por um outro, até ficarem daquele jeito. Sua orelha ela não sabia mas o olho tava feio e inchado, sabia que colocariam gelo, limpariam os cortes com mertiolate, do velho que ardia, porque a mãe dizia que o que não arde não vale um tostão furado.

Bel sentou no tronco à beira do lago, era estranho sentar lá sozinha, sem as irmãs nem os pais. A chuva tinha ensopado seus cabelos negros e eles grudavam no rosto. Chorou. O que ia dizer? Brigando de novo? Mas xingaram de novo a mãe. Ela tinha tentado, tentava mesmo. Quando provocavam agora ela não caía na arapuca. "Seis filhas?" "Seus pais num tem televisão não?" "Elas devem dormir em gavetas pra caber todas naquela casinha" ela respondia "E você num tem um gato? Ele tem sete vidas pra você tomar conta", ela dizia isso as irmãs riam e elas saíam pela escola. Sem briga, palavra lutando contra palavra, usando a esperteza como dizia Helô. Helô era esperta, era mais velha, por isso era esperta e Bel queria ser como ela. Helô não caía na armadilha de ninguém não senhora. Se viessem brigar com ela, nem dava o gostinho de uma luta, Helô vencia só de olhar. Era a garota de doze anos mais inteligente que Bel conhecia, e não porque era sua irmã não.

Bia também era inteligente, mas do tipo que lia e fazia contas, tinha dez anos. Ela provavelmente nem entraria numa briga, ia sair chorando antes mesmo de começar, e se Bel estivesse por perto a chamaria de chorona mas defenderia a irmã, pulava pra cima das valentonas e rancava os cabelos chumaço por chumaço. Bia diria não ser o certo, briga não resolve as coisas, mas agradeceria, livraria a cara de Bel custasse o que custasse e ainda a ajudaria na lição.

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