Bel.

373 87 70
                                    


Seis anos atrás.

Luan acordou ouvindo a gaita de Bel. O sol atravessava as copas das arvores criando chuviscos de luz, o garoto sentou no chão, esfregou os olhos, tinha os bracinhos sujos de terra, e uma folha grudada no cotovelo. Olhou a própria nudez sentindo uma profunda tristeza, suspirou olhando pra cima. Enquanto a música de Bel alcançava o ápice as folhas e galhos pareciam dançar, num ritmo lento, simples, acompanhando o vento.

Enquanto caminhavam Luan terminava de vestir as roupas que Bel trouxera, sentia o corpo todo moído, a boca seca, os ossos rangiam feito madeira velha. Não conhecia a floresta e dessa vez temia ter ido muito longe.

— Talvez... — Começou Luan com a vozinha rouca. — Acho que pode ter dado certo... Dessa vez não sinto gosto na boca eu...

Bel o encarou com olhos tristes, tentou sorrir, as arvores farfalhavam e pássaros cantavam, escondidos, espiando os irmãos.

— O que? — Perguntou Luan parando a caminhada.

— É que... Enterrei os restos de um lebrão lá atrás.

— Ah... — Luan baixou a cabeça sentindo de repente vergonha e um gosto amargo na boca. — Eu pensei que...

— Esquece, vamos pra casa.

Caminharam pela floresta, saltaram um tronco caído, viram um gambá fugindo e alguns pássaros levantaram voo quando eles passaram. Estavam andando a margens de um rio quando Luan ouvia a água pensativo e Bel começou a rir, o garotinho a espiou, intrigado abriu a boca e fechou, criou coragem e perguntou:

— O que foi?

— Nada é que... Ontem você caiu na água, foi engraçado.

— Sério?

— Uhum, correu atrás de uma coruja, saltou muito alto, cê tinha que ver Luan, na luz da lua, assim, era incrível, mas errou o bote esperneou no ar e caiu bem ali. — Bel apontou uma parte do rio e Luan sorriu, a garota parecia sonhar, parada, olhando o rio correr. — Você saiu da água se sacudindo todo, eu... Me olhou nos olhos.

Luan paralisou e piscou.

— Mas... Benício disse que não pode, Bel, é perigoso ele... Ele me falou que uma vez...

— Você nunca me faria nada. — Belinda se aproximou do garoto. — Quando era bebê só parava de chorar quando ouvia minha voz.

— Eu sei... Mas ele disse.

— Quando você me olhou ontem a noite eu senti medo.

— E não fugiu?

Bel balançou a cabeça, Luan imaginou a cena.

— De todos lá em casa, só nós dois temos cabelo preto. — Comentou Bel bagunçando os cabelinhos de Luan. Você vai conseguir Luan, vai conseguir, não foi dessa vez mas eu acredito em você, não me atacou deve significar algo né?

— É.

— Vamos, Helô deve tá doida.

Recomeçaram a caminhada, o som do rio os acompanhando enquanto as nuvens passavam no céu azul.

— Como eu sou? Você sabe, na lua.

— Ontem era bem lindo, mas tem vezes... Bom ontem eu tirei uma foto.

— Posso ver?

— Claro.

Bel tirou o celular e mostrou a foto para Luan, o garotinho arregalou os olhos.

Sangue AntigoWhere stories live. Discover now