A Convenção dos Gatos - Parte 3

332 89 52
                                    


Na geladeira Malu sorriu ao ver uma lata de Coca-Cola, um sorriso sincero e espontâneo que aumentou ao sentir o quão gelado estava o alumínio. Fez a porta da sacada correr, ar puro e vento frio. Subiu uma escadinha com a garrafa numa mão e a latinha na outra, sentou no telhado e viu as luzes das casas, as montanhas lá longe a oeste, e no leste; a praia tão distante. Abriu a lata ouvindo seu chiado, tomou um gole sentindo cocegas com o gás, o céu estava escuro então ligou as luzinhas que contornavam o telhado, como se antecipassem o natal elas se acenderam num colorido festivo. Malu fazia isso direto, a sacada era seu domínio e o decorava a sua vontade, luzinhas de natal, os cata-ventos girando, dois bem engraçadinhos que ela mesma tinha feito. A garota suspirou lá em cima, os braços gelados e nariz rosado. Imaginar o futuro era agoniante, o que fariam se tudo desse errado? Até Helô parecia assustada e ela nunca ficava assustada, Bia talvez estivesse com medo também, Malu sabia que ela própria estava, olhou as montanhas imaginando quantos esconderijos não existiriam por lá, as próprias nuvens tentavam disfarça-la a neblina também, tomou um gole de refrigerante e pegou a garrafa. Estava esfumaçada, não dava pra ver quase nada, ele ainda devia estar zangado, Malu tentara de tudo, papel e lápis, tinta, mas nada resolvia a questão da comunicação, queria ajudar mas precisava saber com o que estava lidando. Aproximou o vidro da boca.

— Fala comigo camaradinha, por que não fala?

A fumaça que girava ansiosa parou, como um furacãozinho pausado. Através do vidro da garrafa Malu pode ver dois olhinhos, sorriu.

— Aí está você.

— Malu? — A garota se assustou e deixou um pouco de refrigerante cair na calça, se mexeu no talhado procurando onde esconder a garrafa. — Maria Lucia?

— Aqui! No telhado.

— Juro por Deus é melhor não estar com aquela garrafa.

Malu escondeu a garrafa na calha e se ajeitou como pode no telhado, ouviu os passos de Helô e tentou limpar a bebida derramada na calça. A porta correu e Heloísa surgiu, olhando e reprovando a atitude da irmã mais nova.

— O quê? — Perguntou Malu.

— No telhado nesse frio? E bebendo coisa gelada?

— Ah, não tem nada, aqui até que tá bom.

— Onde está a garrafa?

— Escondi, guardei num lugar pra ninguém pegar.

— Ótimo.

Com Helô Malu sempre tentava mentir usando verdades, a irmã mais velha era ótima farejadora de lorotas. As duas irmãs ficaram em silêncio, olhando o céu escuro e as estrelas, Heloísa mexeu no telescópio da sacada e tentou encarar as montanhas, estavam encobertas de neblina e não conseguiu ver nada.

— Eu sei que você anda chateada. — Começou Helô. — Mas precisamos de sua ajuda e...

— Podem contar comigo. — Respondeu Malu. — Vocês me entendem errado, eu implico mas amo ele tanto quanto vocês.

Heloísa sorriu pra irmã.

— Hoje tentei encontrar um beija-flor. — Comentou Malu.

— Eu ia te pedir isso, você é a melhor nessas coisas.

— Lá na escola não tem borboleta boa, talvez no bosque.

Heloísa concordou com a cabeça. As duas ficaram caladas.

— Mana. — Começou Malu.

— O que?

Malu segurou as lágrimas.

Sangue AntigoМесто, где живут истории. Откройте их для себя