A Convenção dos Gatos - Final

337 83 74
                                    


Não havia como explicar os gnomos, as fadas, o próprio bosque e principalmente, a caipora que bebia e fumava tranquila. Os pais de Aiyra estavam surtando, primeiro permaneceram estáticos, depois Roberto agitou-se todo quando uma fadinha pousou em sua cabeça. Ele e a mulher puxaram a filha pelo braço, querendo fugir, as meninas falavam todas juntas, tentado explicar o inacreditável, Aiyra implorava dizendo que precisava ficar, precisava de ajuda, Beatriz com calma começou a conversar com Roberto e Maiara, junto de Aiyra ela conseguiu acalmar o casal, não muito, mas o suficiente para cessar o escândalo e o medo.

Malu num canto mais afastado olhava Heloísa, a garota estava com a garrafa na mão, e diferente do que havia pensado sentia-se culpada por trair Helô mais uma vez. A irmã mais velha olhava ao redor, reparando nas arvores e folhas, nas pequenas criaturas, as luzinhas em varais brilhantes, a fonte, todo o santuário.

— Você que construiu? — Perguntou Heloísa.

— É, brasa me ajudou, ela já conhecia o lugar.

Helô olhou para a irmã, às vezes esquecia como Maria Lucia era jovem, dezesseis, na verdade tinha feito dezessete, lembrava-se dela correndo só de calcinha pela casa, fugindo do banho junto de Luan, gargalhando quando Heloísa contava histórias pros dois dormir, agora já era praticamente uma mulher, e olhando o santuário da clareira, uma mulher capaz de coisas incríveis. Mesmo assim ver a garrafa na mão da pequena Malu, era um golpe dolorido.

— Você ia solta-lo. — Disse Heloísa, não perguntando, apenas constatando, enquanto ouvia os gnomos conversarem com os pais de Aiyra.

— Sim. — Respondeu Malu sustentando o olhar da irmã, mas sentindo-se pequena, confusa, quase pulando nos braços da irmã, pedindo ajuda, conselhos, querendo descansar em seu porto mais seguro, que sempre fora Helô.

— Nós precisamos dele, ele é prova, e o conselho vai querer botar a culpa em alguém...

— Mas o que vão fazer com ele? Ele só queria sua casa de volta, você sabe Helô, se o entregarmos eles vão condenar ele a morte, é isso o que eles fazem, condenam, são deuses.

Heloísa olhou a garrafa, o redemoinho havia parado, apenas dois olhos através da fumaça. Malu suspirou parecendo confusa e indefesa.

— Pega. — Disse Malu estendendo a garrafa. — Eu mesma não sei o que é certo, toda vez que tive dúvidas quem soube o que fazer sempre foi você.

Heloísa pegou a garrafa, fitou os olhinhos, a fumaça dissipou-se aos poucos e uma criaturinha bem escura, como se feita de sombras, surgiu, a boca grande, os olhos enormes, apenas encarando, esperando. Helô olhou Malu, as duas mal notaram o silêncio na clareira, os olhos que as observavam, nem a mãe, tão grande e brilhante lá no céu, as arvores como testemunha, ou as estrelas as maiores curiosas da noite. Heloísa destampou a garrafa e num redemoinho o saci saiu, as pessoas se alarmaram, o bichinho ria contente, espalhando plantas, folhas, e Brasa precisou segurar bem o fumo e a garrafa de cachaça.

— Eu sabia ele é um demônio, quer me roubar!

Malu assobiou e o tornado parou, o saci montado no redemoinho de vento observou a garota com o gorrinho, fez uma careta depois um biquinho, diminuiu a ventania, ficou de um pé só no chão e esperou as ordens de sua mestra.

— Precisa se comportar, aqui pode ser um lar, mas lembre-se, ele não é só seu.

Heloísa sorriu e abraçou a irmã pedindo desculpas pelo tapa.

— Eu bem que mereci. — Disse Malu sorrindo.

— Não diga isso, você nunca mereceu aquilo.

Sangue AntigoWhere stories live. Discover now