Julgamento do Século - Parte 12

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Inara começou com um despejo enorme de perguntas, todas imputando Ariel em cenas complicadas, indagando sobre o caso do saci, sobre ela frequentar escola de amis, mesmo as crias d'água de Campo Claro tendo o costume de não frequentar a superfície. Aiyra percebeu como a promotora com poucas e hábeis pinceladas pintava a figura de uma pré-adolescente rebelde, a ovelha negra. E a carranca de Ariel junto das respostas malcriadas não ajudavam a desfazer tal impressão.

— Desde quando conhece Luan Lima Campos?

Ariel de braços cruzados olhou pra cima, vasculhando a mente.

— Acho que três anos, talvez mais.

— Nas praias das conchas correto?

— Correto.

— Mas como ele a encontrou lá? Pelo o que se ouve o lugar é enfeitiçado e só pode ser encontrado por alguém que já esteve lá.

— Os feitiços não funcionam muito bem com o Luan. — Ariel sorria encarando o vazio, como se falasse as coisas pra si mesmo. — Nenhum feitiço funciona bem com ele. Sentiu o meu cheiro e me encontrou, eu tava mexendo nas conchinhas e olhando o céu, adorava olhar o céu, naquela época eu vivia dizendo que ele era um segundo mar, e além dele uma segunda superfície, igual quando olhamos do fundo da agua, é quase a mesma sensação, só que não dá pra nadar até o topo.

— Nenhum feitiço funciona contra Luan. — Inara mais afirmou do que perguntou, deixando o fato no ar para que os deuses e as Cys pudessem avaliar. — E nessa época a senhorita tendo só uns nove anos já ia pra superfície?

Ariel se endireitou no banco, olhou pra avó junto dos deuses, os cabelos descoloridos e encaracolados pareciam recém-molhados, ela apertou os lábios e suspirou.

— Sim.

— Coisa que não era permitida pelo seu povo não é mesmo?

— Não. Não era permitido.

— Muito bem, prossiga seu relato, Luan a encontrou usando o faro.

— Sim, ele sempre teve o faro muito bom, e disse que eu tinha um cheiro que ele nunca sentiu antes, eu até me assustei, não falava com gente de cima, da superfície. Ele tinha uns onze anos e só não fui embora por causa dos olhos deles.

— Os olhos?

— Sim, eles... Me lembravam muito alguém.

— Quem?

— Eu. — Ariel sorriu olhando o amigo na mesa da defesa, ele baixou a cabeça também sorrindo. — Eu senti que de alguma forma nós éramos iguais.

— Assim tão rápido?

— Sim, minha vó fala que sempre foi um dom meu, eu sinto as pessoas, bem aqui. — Ariel colocou as mãozinhas no estomago. — Sei se são boas ou ruins, foi assim com Luan, foi assim com Aiyra, e... — Ariel fez uma careta. — É assim com a senhora também.

— Muito bem. Então desde esse dia vocês ficaram amigos?

— Mais ou menos, no começo a gente brigava bastante.

— Mas a senhorita acabou de dizer que tinha sentido no seu estômago. — Inara com sua ironia conseguiu arrancar alguns sorrisos das pessoas, não era nenhum Jandir, mas dava pro gasto.

— Sim, mas... Eu fiquei irritada, mandei ele sair, ele não podia pisar assim na minha praia, na praia do presente da minha mãe, ele quebrou algumas conchinhas com os pés e eu joguei areia nos olhos dele. — Nessa hora Ariel encarou Inara nos olhos com um leve sorriso. — Sabe o que ele fez?

Sangue AntigoWhere stories live. Discover now