Amiga Nossa Parte 5

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Aiyra nunca esteve naquele bairro. Casas mais antigas, singelas, lado a lado com seus murinhos baixos, que serviam de banco pros compadres conversarem, um povo que ainda tirava a boina cumprimentando as senhoritas que passavam. Crianças brincavam na rua, riam, corriam, pulavam amarelinha, poucos carros passavam ali, arvores espalhadas, o vento mexendo nas folhas, uma menina tentando controlar uma pipa. Luan chamou Aiyra e atravessaram a rua, as pessoas passavam de bicicleta cumprimentando as outras, às vezes paravam porque encontravam alguém conhecido, como estava a família? Marcar aquela pescaria, sim senhor, depois jantar com a patroa. Passaram por uma mercearia e a atendente cumprimentou Luan.

– Avisa o Tocantins que já temos o dinheiro. – Disse Luan para a moça sorridente.

– Aviso sim. Se cuida menino.

Luan estava pensativo, às vezes olhava para Aiyra, a encarava por algum tempo, quando ela começava a ficar sem jeito ele desviava o olhar pra uma arvore, uma pessoa, o céu ou um raro carro. Aiyra tinha perguntas, muitas, mas não ousava questionar, talvez pelo medo da resposta. Quando estavam entrando numa ruazinha perto do mar, onde todas as casinhas eram parecidas, Luan respirou fundo, casas com suas arvorezinhas, os pássaros sonolentos nos fios dos postes, ninguém andava na rua, escutavam vento assobiar em garrafas, um cão latir ao longe, as vezes Aiyra jurava sentir a brisa do mar.

– Contar logo a verdade. – Decidiu Luan o pensador. – É como Bel dizia, que Helô foi criada um tempo por cães do mato sabe, por isso fareja mentiras. Mas tamo com sorte. – Ele sorriu olhando pra Aiyra, as marcas do riso evidentes, os olhos tão vivos, desse jeito ele parecia mais novo, quase criança. – Nossa sorte, é que Bel não tá. – Ele pegou a mão de Aiyra e a mão dele era quente. – Vamos.

Eles caminharam mais um pouco e pararam na frente de uma loja. Ela estava aberta e Aiyra pode ver livros em estantes, na frente da loja um balde grande cheio de guarda-chuvas. Luan entrou primeiro e Aiyra veio atrás. A loja cheirava incenso e ela percebeu que era mesmo um sebo, talvez mais do que isso. Viu um baú antigo no chão, de madeira, bem parecido com dos filmes de piratas, Havia uma prateleira só com bonecas de porcelanas, todas limpinhas e conservadas, algumas eram delicadas e até bonitinhas, outras podiam causar calafrios, com seus olhos vidrados e sorriso falso.

– Nossa loja de antiguidades. – Disse Luan observando Aiyra.

– Isso... Isso é muito legal.

– Temos mais livros aqui, mas dá pra encontrar uma coisinha ou outra bem rara. Tá vendo aquele balde. – Luan apontou pra um balde de madeira escura, aros de ferros em volta dele e uma corda bem grossa em cima. – Eu o encontrei numa casa abandonada lá nas montanhas, eu restaurei com Bia e ficou legal né? Dá pra usar de vaso ou uma decoração qualquer.

– É muito legal.

– Eu vou ver se tem alguém lá nos fundos, fica à vontade pra olhar as coisas, já volto.

– Espera, e o... Aquela... Você sabe, ele pode destruir a loja.

Luan sorriu confiante.

– Não se preocupe, seja o que for, aqui ele não entra.

O garoto sumiu nos fundos da loja. Aiyra ficou olhando os objetos, ocasionalmente espiava a rua, preocupada, os sinos dos ventos balançavam lá fora, faziam um barulho gostosinho dando certo clima pra loja. Aiyra encontrou carrinhos de metal, a pintura brilhando de nova, pensou que seu pai adoraria aquilo, ele tinha uma pequena coleção e a loja possuía modelos diferentes. Viu gibis antigos, mexeu nos livros, uma edição do Dom Quixote, capa dura com relevo, Moby Dick, Dom Casmurro, todos em edições lindas e bem conservadas, Aiyra pegou na mão uma edição do mil e uma noites, a capa era maravilhosa, toda em relevo e trabalhada, as folhas eram grossas quase como tecido, podia ver as malhas nas folhas, havia gravuras lindas por todo o livro.

Sangue AntigoWhere stories live. Discover now