Receios e consolo: 49

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A casa dos Gomes amanhecia com uma calma agradável, a noite anterior sendo agitada com a presença dos filhos e as conversas entre eles atualizando cada nova descoberta na gestação da madrasta e a, agora de praxe, disputa por mimar sua barriga e se comunicar com os caçulas. Gael dava espaço aos irmãos mais velhos para que matassem as saudades dos bebês sequer nascidos se gabando que passava toda a semana perto deles e os conhecendo melhor que ninguém, algo que provocara risos frouxos.

Ciro acordara mais cedo com um peso em seu interior. Levantou cauteloso para não despertar a mulher que dormia tranquilamente de ladinho, almofadas ao seu redor como forma de tornar a noite mais confortável para a morena que apesar do pouco volume da barriga já sentia certo incômodo, as mãos descansadas protetoras pela barriga e os cabelos escuros caindo sobre o rosto. O grisalho sorriu apaixonado para a imagem e se aproximou silencioso para afastar os fios que lhe caiam no rosto, acariciou delicadamente a bochecha da amada com o polegar e deixou um beijo em sua cabeça e outro em sua barriga sussurrando "Cuidem bem da mamãe" para os filhos ali. Não cansando de admirar sua mulher, porém necessitando de um pouco de espaço com a sensação pesada em seu coração, o mesmo a cobriu melhor com os lençóis e se dirigiu ao banheiro para fazer sua higiene.

Ainda com seu ser abatido o homem deixou o quarto e foi até seu escritório, as mãos ao bolso do pijama e a mente distraída pensando em tudo o que aconteceu até o presente momento. Fez um breve e lento caminhar até sua mesa onde buscou entre as gavetas uma lembrança que, todavia, lhe partia a alma em pequenos e sofrêgos pedaços e quando a achou algumas lágrimas vieram encher seus olhos e o homem engoliu em seco sua vontade de chorar colocando uma mão a boca enquanto a outra segurava trêmula um envelope e uma caixa mediana. Ele abriu a caixa que continha um pequenino sapato e abriu o envelope onde tinha uma imagem de ultrassonografia, um rostinho registrado com a máxima clareza fizeram as lágrimas caírem sobre ela involuntariamente e assim o mesmo trouxe a imagem próximo ao peito e fechou os olhos deixando seu lamento sair baixo. Enquanto chorava contido, sozinho no escritório mortalmente silencioso, o homem abria os olhos para olhar o par de sapatinhos deixado na mesa e sua mandíbula tensionou pensando nos momentos que perdera com o filho que nunca teve, seu coração queimava com o que ocorrera e agora o medo de poder vir a acontecer outra vez estava o levando a viver dessa memória dolorosa. Seu maior e mais intrínseco pesadelo era voltar a perder um filho, e também a mulher que tanto amava, com a morena constantemente demonstrando um pressentimento ruim sobre sua vida e gravidez o mesmo se sentia no limite do equilíbrio entre a consolar e dar forças e desmoronar de uma vez sentindo o mesmo pavor que ela.

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Simone despertou sozinha na cama e estranhou a ausência de Ciro. A mesma levou um tempo para afastar a sonolência dos olhos e visualizar vagarosamente o quarto em busca do amado, decidiu levantar-se para o procurar fazendo uma rápida higiene no banheiro e vestindo seu robe para cobrir sua camisola de seda. Buscando pela sala e cozinha ela decidiu que o mais provável é que possivelmente o homem estivesse em seu escritório com alguma ocupação do trabalho, mas ainda assim decidiu checar para ter a certeza de que era isso, com os braços cruzados abaixo dos seios a mulher chegou ao local cuidadosa em abrir a porta sem interromper, caso o grisalho estivesse ocupado, e encontrou o lugar em um silêncio profundo e levemente escuro com as janelas cobertas pelas cortinas. Seu olhar atento e preocupado encontrou o amado de costas para a porta, próximo a mesa, a cabeça cabisbaixa como se quisesse esconder-se de algo ou alguém, a morena se aproximou calmamente e tocou seus ombros, que agora percebera estarem trêmulos, e o chamou docemente enquanto seus olhos fixavam na caixa com o sapatinho e a imagem pressionada ao peito dele, só então entendendo do que se tratava e pressionou seus lábios com força cheia de compaixão pelo homem que chorava em silêncio.

Salve-me do caosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora