Capitulo 2

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Corpo firme no chão, pés retos, o queixo protegido pelas luvas nas minhas mãos e uma plateia inteira gritando meu nome. Minha oponente parecia ter o dobro do meu tamanho e isso dificultaria não só as minhas investidas, mas também a movimentação dela comparada à minha.

Era para ser uma luta justa, peso contra peso, no entanto, não estávamos em um lugar justo. As grades enferrujadas e cortadas mostravam que era um lugar qualquer, os buracos acusavam as invasões frequentes que faziam para criar, assistir e participar das lutas clandestinas.

Eu levava isso como um treino, saber até mesmo as jogadas sujas das minhas oponentes me ajudariam no ringue profissional mais tarde. Era fácil de aprender, fácil de entender. Eu deveria analisá-las antes de entrar no ringue, mas a adrenalina era demais para conseguir me prender em outras coisas, eu só queria nocauteá-la.

Dei um passo adiante quando o sino bateu repetidas vezes liberando o início da luta, eu apertei entre os dentes o mordedor e fingi um avanço. A garota pisou em falso com a perna esquerda e eu sorri, seu tamanho dificultava seu equilíbrio.

— Ella! — A torcida gritava meu nome misturado com o da minha oponente e no meio dessa barulheira toda, meu treinador também gritava.

— Sua direita, Ella! — Eu sabia, tinha analisado ela antes mesmo que ele percebesse o visível problema da minha adversária.

Demos uma volta inteira no ringue, usando o pouco tempo que tínhamos e nos preparando para o ataque. As grades batiam enquanto a plateia pedia para começarmos logo a luta e meu peito vibrou tomando coragem.

Avancei pela esquerda dela tentando constatar a verdade na sua falha, o pé direito dela errou o passo e todo o seu corpo bateu contra as grades. Usei a direita para acertar o primeiro golpe, o estalo do queixo dela me fez estremecer quando o acertei e aproveitei a moleza do seu corpo para me prender no pescoço e grudar minhas coxas na cintura reta.

Ela cambaleou pelo espaço enquanto eu tentava derrubar todo o peso dela no chão, mas ela era maior do que eu e tudo o que eu consegui fazer foi dobrar o tronco dela para baixo e assim socar seu abdome.

— Cinco! — começaram a gritar, se ela não conseguisse sair da minha chave de braço, a luta estaria acabada e todo o dinheiro seria meu. — Quatro!

Apertei mais meu braço contra a jugular, eu precisava ganhar, precisava da grana.

— Três! Dois! — Ela tombou caindo em cima do meu braço, senti ele torcer mas não soltei a chave.

— Um! — O árbitro gritou batendo no chão ao nosso lado e eu soltei o corpo dela.

Levantei ofegante do chão, meu rosto deveria estar vermelho por conta do esforço que fiz para me manter em cima dela, mas eu não me importava, a vitória era minha.

Toda a torcida vibrou e parte dela rasgou os bilhetes, haviam apostas para a ganhadora e pelo que a maioria deveria ter pensado, as maiores venciam as menores. No entanto, isso não queria dizer nada, principalmente quando uma garota largou a faculdade para se concentrar nas lutas.

Passei anos da minha vida nisso e não seria uma recém chegada que por ser maior do que eu, que tiraria minha vitória.

— Deveria te inscrever em mais lutas assim, Ella. Se continuar desse jeito nossa estadia no Flour será prolongada.

Eu suspirei retirando as luvas pesadas, depois que recebi os aplausos da vitória e o cheque, saímos sem dar muitas explicações para o pessoal. Eu não me via presa em lutas clandestinas e muito menos lutando dessa forma para viver, eu queria mais e o que eu tinha ainda era pouco.

— Se essa luta no Flour, realmente acontecer, Jay. Ninguém mais me tira de lá.

Meu treinador sorriu aceitando meu espírito de equipe, mas o clube Flour não era para qualquer um. Por sorte e por olheiros eu consegui uma luta no clube em um mês, o que me dava trinta dias para conseguir encontrar um hotel barato o suficiente para ficar e me preparar no ringue deles.

Jay estava muito mais animado do que eu, que conseguia pensar apenas nos tipos de oponentes e na escala global que eu conseguiria alcançar ganhando uma luta no clube.

O ringue era de outra cidade, da mesma que Jay, meu treinador e boxeador aposentado tinha vindo. O desgraçado soube das minhas lutas clandestinas pelos vídeos que gravavam de mim e jogavam na internet.

Ele disse que era a minha força de vontade e espírito de vencedora que chamaram a atenção dele, mas eu sabia que ele queria muito mais do que isso. Ele tinha pouco mais de quarenta e cinco e eu tinha vinte anos a menos, o que me fazia sentir uma grande repulsa por ele. Sequer conseguia ter algum interesse por caras da minha própria idade, quanto mais para caras que poderiam ser meu pai.

Então eu fugia de sua lábia constantemente e o ignorava na maioria das vezes, eu não precisava de mais problemas para a minha família maldita e deslocada.

Já bastava para o meu avô ter feito a minha mãe fora do casamento e ela não seguir suas tradições, o que o irritava profundamente e se ele descobrisse que além do irmão da minha mãe que desistiu da família quando descobriu que seu pai havia lhe dado uma irmã fora do casamento, que sua neta lutava em ruas escuras cheias de homens em volta, seria uma desgraça para a família Sora.

Eu sorri com a ideia de roubar o lugar do meu tio distante, ser a desertora e negligenciar os desejos antigos do japão. Isso parecia ser definitivamente tentador.

Mas como minha mãe parecia ser desgraça o suficiente para ele, mantive minhas lutas em sigilo até mesmo dela já que meu pai não dava muita importância para o que eu fazia da minha vida, desde que não tirasse dele as bênçãos que o Sr. Yakato Sora lhe concedia por ter se casado com sua filha bastarda.

Só que eu não pretendia continuar a mentir sobre a minha permanência na faculdade assim que eu conseguisse um contrato, ser patrocinada para fazer o que eu mais amava na vida, tinha se tornado uma meta e não me importava em largar toda a vida aqui.

Sobre a família Sora, tudo o que eu sabia era que meu avô rejeitou a gravidez da minha mãe, e quando ela finalmente nasceu, ele arcou apenas com o necessário para que ela não passasse fome. Mas a chegada dela irritou o filho que meu avô já tinha em seu casamento e ele partiu na primeira oportunidade deixando a meu avô sem ninguém para cuidar de suas fábricas, que agora, meu pai cuidava com todo prazer.

No entanto, eu precisaria avisar minha mãe que eu partiria por um mês e mesmo que eu morasse sozinha ela tinha a mania de sempre querer saber sobre tudo da minha vida, o que seria um inferno futuramente se não contasse logo meus planos a ela.

ESTRANHOWhere stories live. Discover now