Capitulo 52

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Aquilo não era nada, certo? Me senti presa a uma nuvem morna e macia, como se pedaços de algodão me abraçassem e me deixassem descansar como eu realmente precisava. Claro que eu podia estar apenas sonhando e, por deus, pela primeira vez na face da terra, eu queria isso.

Mas algo me puxava constantemente e, quando esses intervalos aconteciam, a dor e o desespero repleto de angústia me consumiam, me faziam querer voltar para o abraço morno e quente que me mantinham segura.

No entanto, com o tempo, esses intervalos pareciam cada vez menores e isso estava acabando lentamente comigo. Era doloroso demais deixar com que essa força me puxasse para fora desse meu pequeno ponto de paz.

Eu não conseguia me lembrar de nada, não conseguia me segurar em nada e isso me reconfortava. Minha força não parecia ser exigida ali, o que me fazia querer manter tudo exatamente como estava.

Então, como uma vadia insistente, aquela força me abraçava tentando tomar de mim a única coisa que eu tinha ali, paz.

Só que estava sendo mais forte que eu, mais forte que a minha vontade de permanecer quieta e aparentemente segura. A cada puxão, em cada uma das vezes que meu corpo era tomado, minha pele doía e minha garganta queimava.

Pelo que parecia, não era como se eu pudesse evitar essa situação.

*

Um ardor doloroso me fez tossir desesperadamente, como se houvesse algo preso dentro da minha garganta e não quisesse sair por absolutamente nada que eu fizesse.

— Ei, vá com calma, linda. — Eu continue tossindo e ainda sem conseguir me mover. — Você passou por um procedimento complicado, se acalme, irão tirar o tubo da sua garganta.

Eu não consegui deixar de me desesperar, me sentia impotente e, sem conseguir tirar aquilo que estava incomodando de dentro de mim, parecia ficar cada vez pior.

— Ella, está tudo bem. — Falaram, mas eu não conseguia ver nada. — Vou retirar o tubo, mas preciso que pare de mexer a cabeça ou irá se machucar!

— Ella, por favor, ouça a médica e se acalme.

Meu peito queimava e cada célula minha parecia doer desesperadamente, mas forcei meu corpo a se acalmar e abri os olhos, finalmente.

Ren estava sentado ao meu lado e uma médica que parecia jovem demais para a sua profissão segurava minha cabeça. Devagar, ela afrouxou a fivela que segurava meu rosto e o prendia àquele maldito tubo.

A sensação daquela merda saindo de dentro de mim foi agonizante, quase perdi a consciência apenas por sentir aquele negócio deixando meu corpo.

— Muito bem, como se sente?

A pergunta me fez sorrir com escárnio e isso fez com que meu corpo tremesse involuntariamente devido à dor intensa.

— Como... se tivesse sido atropelada... — Tossi algumas vezes enquanto tentava ao menos pronunciar alguma frase coerente. — Que diabos aconteceu?

O rosto pálido de Ren me assombrou, sentia um desespero vir dos olhos escuros e mais puxados que os meus.

Ele respirou profundamente algumas vezes, talvez mais do que fosse necessário para me explicar quais eram os motivos de eu estar presa nessa cama com aquele tubo dentro de mim.

Eu não conseguia me lembrar de nada.

— Obrigado. — Ren respondeu à médica antes de indicar com a cabeça para que ela saísse e nos deixasse a sós, mas com relutância, ela nos fechou dentro do quarto.

Ele esperou tempo demais e minha inquietação falou mais alto.

— Acho bom você me contar cada detalhe ou darei um jeito de quebrar você inteiro.

Ele sorriu, como fazia desde a primeira vez em que fui obrigada a olhar para a cara dele, e se ajeitou na poltrona.

— Sua tentativa falha de fugir com Daniel acabou com você quebrada no meio da rua, Ella. Que diabos estava passando pela sua cabeça quando decidiu fazer uma idiotice dessas?

Eu não consegui prestar a atenção em mais nada do que ele dizia, não pelo menos eu revivia cada maldito segundo do que aconteceu. A dor, a agonia de ouvir Daniel gritar por ajuda e uma escuridão fria.

Cada fibra que ainda existia dentro de mim se desfez, meu corpo amoleceu e senti que tudo havia acabado.

Olhei para Ren desejando com o fundo da minha alma que não fosse ele quem estivesse naquela poltrona, que fossem brilhantes e profundos olhos verdes me examinando, tentando a todo custo desvendar o que eu estava pensando nesse exato momento.

— Onde ele está? — Tossi outra vez.

Ren sorriu com escárnio para mim, claro que ele faria isso e eu não esperava nada diferente dele.

— Ele quase te matou, Ella, quase tirou a sua vida com essa tentativa absurda simplesmente porque não consegue te ver feliz e é por ele que você chama?

— Você esperava por choro e lamentos?
Ele levantou da poltrona e caminhou inquieto pelo quarto, como se eu devesse minha vida a ele.

— Esperava que tivesse caído em si, Ella. Depois de tudo o que passamos juntos e após provar a você que jamais te machucaria como ele fez, ainda o escolhe, mesmo com ele ainda te machucando...

— Ren...

— Ele está onde deveria, de onde nunca deveria ter saído, Ella.

— Está brincando comigo.

Dessa vez, o deboche chegou ao seu olhar e, relutantemente, Ren voltou a se sentar ao meu lado.

— Você permaneceu desacordada por duas semanas inteiras e assim que sua cirurgia foi feita, Daniel me ligou. — Eu talvez tivesse prendido a respiração por tempo demais e a máquina presa a mim começou a apitar acusado. — Ele me pediu para reconsiderar a proposta e eu aceitei, esperando que finalizássemos o casamento que não tivemos.
Eu não conseguia acreditar em nenhuma das palavras que saíam da boca dele, até mesmo o pequeno pensamento de que Daniel havia desistido de nós dois depois de tudo... me abalava mais do que eu podia suportar.

— Não...

— Ele se foi, Ella. Yakato o mandou para casa com a promessa por escrito dele de que não chegaria perto de você outra vez e que comandaria a empresa na cidade onde mora.

— Não... — Dessa vez, murmurei, sentindo o chão faltar. Mesmo deitada e quase toda enfaixada, não dava para esconder o quanto toda essa mera havia me abalado.

— Não dá para viver com o tipo de relacionamento que vocês tinham. Ella você precisou sofrer a ponto de quase morrer para que ele tomasse a atitude certa.

— Cale a boca.

— Não! Droga, eu quase morri quando descobri que quase te perdi! Quero que esse casamento se foda, se isso for te fazer entender que jamais te colocaria em risco. Eu me apaixonei por você e sei que te contar isso não fará diferença alguma... mas ao menos posso viver sabendo que está viva e que, pelo menos, não corre mais nenhum risco.

— Saia.

— Ella...

— SAIA!

Ren levantou da poltrona com relutância demais aparente e isso também me afetou mais do que eu gostaria, minha vida estava uma bagunça no momento e lidar com meus sentimentos e os dele agora... seria intenso demais para conseguir, principalmente sabendo que minha vida tinha sido vendida outra vez.

Ren podia esperar enquanto meus cacos eram juntados pelos medicos, enquanto eu decidia se fugiria por conta própria para o mais longe que pudesse assim que minhas pernas estivessem desenfaixadas outra vez.

Até que meu coração quebrado não passe de um lugar frio e duro.

ESTRANHOWhere stories live. Discover now