Capítulo 4

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Eu não consegui pregar os olhos, não era culpa da cama dura e nem do quarto fuleiro. Talvez fosse a antecipação, a ansiedade, o medo de não conseguir ser suficiente para o que eu lutei tanto para ser.

Mas eu estava aqui e mesmo que cada um dos meus poros me dissessem para ir devagar, eu não podia parar e não iria. Não depois de todo o trabalho que eu tive, de ter largado a faculdade no meio do semestre para seguir meu sonho.

Eu precisava continuar.

Troquei de roupa e peguei as luvas, saí do quarto sem me importar com o horário, eu deveria ter buscado uma luta antes de tentar deitar e assim acabar com o meu estresse diário.

As horas eram avançadas no relógio e logo amanheceria, mas se as lutas dessa cidade fossem parecidas com as da minha, elas iriam até o sol raiar.

Ruas escuras e vazias, salvo por grupos risonhos em frente aos bares e esquinas. Parte apenas bebendo e rindo, a outra parte parecia me encarar como se soubessem que eu era nova na cidade.

Talvez a impressão estranha que eu sentia, era apenas a sensação desconhecida e eu não precisava me preocupar tanto. Eu era forte e conseguia dar conta de um cara no mano a mano, mas ainda assim, não podia ir contra uma arma.

Ergui a cabeça e procurei as ruas escondidas e movimentadas, eu precisava expor tudo o que eu estava sentindo em alguma corajosa e experiente lutadora dessa cidade.

Sorri com a ideia enquanto virava a esquina, o barulho que eu conhecia tomou meus ouvidos, cada pedaço de mim vibrou em expectativa, eu iria foder com essa cidade.

Não haviam grades, mas as pessoas em volta faziam muito bem esse papel. Mordi o lábio e procurei pelo árbitro, precisava pagar a minha entrada e saber quanto seria o prêmio para o vencedor, isso traria um pouco mais de luxo para a minha estadia e eu não precisaria me preocupar tanto com o quanto eu gastaria durante o mês.

Depois de observar um pouco da luta, os homens lutando entre si. Fazendo até mesmo a minha adrenalina subir, Suspirei animada, vendo não só uma fila dos caras para lutar, mas também uma fila de mulheres. Mordi o lábio e enfrentei a multidão, entreguei cerca de quinhentos nas mãos dele e ele parou a luta dos homens.

— Parece que temos uma nova competidora, pessoal. — A voz rouca e um um leve tom de quem fumava a anos soou da garganta dele. — Quem está a disposição para enfrentar a novata? Temos uma entrada de quinhentos!

Eu torci o pescoço sorrindo, havia muito dinheiro em jogo e se fossem as mesmas regras da minha cidade, deveriam cobrir a minha aposta.

As pessoas gritaram ao redor e uma das garotas deu um passo a frente, eu sorri, normalmente não havia realmente uma rivalidade antes de entrarmos no meio do ringue. Ela enfiou as mãos nos bolsos e tirou a mesma quantidade de dinheiro que eu havia dado ao árbitro.

— Vamos ver quem é a novata.

Dei um passo à frente, ela copiou o meu movimento esperando o sinal do árbitro.

— Qual é o seu nome novata? — Eu murmurei meu nome para ele e ele sorriu. — Ella contra Mary! Temos algumas apostas?

Todos gritaram e eu sabia, meu nome seria o menos apostado e isso seria divertido de assistir.

No entanto, a gritaria parou e todos ficaram em silêncio com o roncar. Olhei para os lados e pareciam apenas observar em silêncio. Busquei a razão do susto coletivo e um cara alto com o rosto coberto por um maldito capacete havia encurralado o árbitro, uni as sobrancelhas vendo ele entregar parte do dinheiro apostado e o árbitro simplesmente entregar como se não fosse nada.

O desgraçado estava roubando?

Dei um passo na direção deles e um sussurrar atrás de mim me fez parar.

— Ei garota... Não atrapalhe... Você vai se encrencar. — Ela suspirou. — Depois não diga que não avisei...

Não se ouvia a garota atrás de mim ou se iria debater com o cara, mas após ele pegar aquele dinheiro com o árbitro, caminhou na minha direção, enfiou o dinheiro no meu bolso e me segurou pelo pescoço.

Minha primeira reação foi revidar, bater contra a mão firme atrás do meu pescoço, mas foi inútil. Fui arrastada para fora do ringue como uma adolecente que havia acabado de fazer birra, eu gritei e me debati. Meu peito acelerou de uma forma absurda a ponto de me fazer perder o ar, mas ele não parou. Fui jogada como um animal caçado em cima de uma moto, com ele montando nela atrás de mim.

Eu me desesperei, pela primeira vez na minha vida perdi o rumo e a linha, o medo de ser raptada e não conseguir me defender havia se concretizado pela primeira vez. E eu sequer havia cumprido o que tinha prometido a minha mãe, eu iria morrer.

A moto rodou comigo debruçada sobre o tanque, meu corpo balaçava sendo segurado apenas pela camisa por esse maldito, e eu precisei me segurar a perna dele para conseguir ter algum controle do que estava acontecendo.

Vi mais algumas motos atrás de nós, parecendo nos seguir. Todas pretas e os malditos caras que eu parecia ter visto um pouco antes de eu encontrar o meu hotel.

Eu fui marcada ali e mal pude acreditar, meu peito batia e gritava cada vez que a moto roncava embaixo de mim.

Isso continuou pelo menos até que parassemos em frente a um estacionamento, todos pararam no mesmo lugar e fui arrancada de cima do tanque depois que ele desligou a maldita moto.

Ao que parecia, era um bar e o céu já estava clareando quando chegamos, ele me segurou novamente pelo pescoço me forçando a entrar na porra daquele lugar. Era escuro, exalava um cheiro quase insuportável de uísque e cerveja. Eu arfei me afastando quando pude, mas ele continuou caminhando na minha direção e arrancou o capacete.

Olhos verdes e irritados me encararam, prontos para me queimar junto com o lugar.

— Está tentando foder com o resto da minha vida, pirralha? — Ele gritou passando as mãos nos cabelos pretos que batiam nos ombros para trás. — Eu não quero ter mais problemas por causa de uma infeliz que eu nem mesmo conheço, então pare de ser a porra de uma menina mimada e ligue para aquela mulher insistente antes que eu precise quebrar a porra do meu telefone.

Eu uni as sobrancelhas encarando-o, os lábios finos tão característicos e parecidos com os da minha mãe. Alguns fios brancos se perdiam entre os pretos e mostravam que ele podia ser realmente mais velho que a minha mãe, tinha o rosto sério e duro.

— Que diabos você pensa que é para achar que pode falar comigo desse jeito, seu imbecil?

— Pergunte a aquela maldita bastarda da sua mãe.

ESTRANHOWhere stories live. Discover now