Capítulo 7

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Talvez eu tenha ficado mais do que apenas alguns minutos olhando para a porta aberta sem saber realmente o que fazer, eu não teria aceitado nem que meu pai me tratasse dessa forma, nem qualquer cara que eu já tenha ficado.

Me perdi pensando quando foi o momento que esqueci quem eu era e como eu odiava ser tratada como uma pirralha sem controle, a adolescência havia me deixado a seis anos e eu sequer morava mais com meus pais.

Quem era ele além de um tio que eu nunca havia conhecido em toda a minha vida?

Desgraçado.

Recuperei o meu fôlego e passei os dedos sobre o meu pescoço, a sensação dos dedos dele ainda estavam firmes ali, como se ainda os segurasse só que com menos intensidade. Eu realmente precisava de um banho e também de um tempo para conseguir estar de frente para ele outra vez.

Ele não precisava se preocupar em me alimentar e muito menos com me dar um quarto em sua casa para esses dias em que eu precisaria ficar na cidade, eu tinha dinheiro tanto para o hotel quanto para a minha alimentação.

Embora eu pudesse sair a qualquer momento e fingir que nada disso aconteceu, eu precisava saber onde ele havia entendido que precisava me seguir durante as minhas saídas, descobrir o quanto a louca da minha mãe havia dado liberdade para ele se sentir no direito de me cercar como um perseguidor.

Tomei um banho rápido no banheiro que havia dentro do quarto e prendi os cabelos no alto, uma camiseta larga e um short de academia, na verdade, todas as roupas que eu havia trazido comigo na bolsa eram assim e era tudo o que eu gostava e precisava.

Desci as escadas descalça e o cheiro de frango fez meu estômago reclamar, ele ainda bufava dentro do espaço da cozinha. Era um espaço aberto para a mesa de jantar, nada escandaloso, mas faria com que minha mãe sentisse inveja do espaço que ele guardava apenas para si.

Após me ver no arco que separava a entrada do proximo comodo, ele indicou a mesa. Me sentei sem dizer uma palava e me sentindo uma completa intrusa em sua casa de solteiro solitário.

Era obvio, eu não precisava perguntar de uma mulher que não parecia existir. Não haviam enfeites, nem cheiro caracteristico de mulher. Porta retratos ou coisas que remetessem a estadia de uma, além de mim no momento.

Ele colocou uma travessa com um frango assado no meio e mais alguns acompanhamentos e também em silêncio, se sentou do outro lado.

Haviam mais algumas coisas que percebi depois, suco e vinho que claramente ele deixou apenas para onde ele estava sentado. E eu simplesmente me permitia amar vinho, porém, ao meu lado havia apenas copo para suco.

Eu sorri com escárnio, não estava acreditando nisso. Mas eu respirei fundo e olhando rapidamente em volta, encontrei um suporte em cima do balcão com algumas taças, me levantei depois de colocar um pouco do frango e dos cozidos que ele tinha deixado em cima da mesa e invadi a cozinha para pegar outra taça.

Ignorei o olhar dele e peguei a garrafa que estava do lado dele depois de me aproximar e me servi, parecia que eu estava desobedecendo um parente preocupado e responsável.

Eu sorri.

— Não deveria beber. — Foi simples e direto.

Eu suspirei voltando ao lugar que tinha sido destinado a mim.

— E quem vai ficar me fiscalizando? Você? — Dei outro sorriso e virei metade da taça.

— Deveria respeitar a idade permitida.

Dei de ombros e comi antes de pensar em respondê-lo, no entanto, quase gemi com o gosto do maldito frango.

— E você acha que tenho que idade? — Ele suspirou e eu tomei outro gole. — Mesmo que eu não tivesse idade suficiente, isso não seria da sua conta. Mas vou facilitar para você, além da idade ser apenas um número e tenho o suficiente para cuidar de mim mesma sem que ninguém tenha direito de se intrometer.

Ele riu com escárnio e bebeu olhando para frente, evitando a todo custo olhar para mim, já vestido com a camiseta, tudo o que eu conseguia ver de suas tatuagens era o pescoço e os braços livres do tecido.

— Só um número? — Ele riu e voltou a comer. — Então deveria começar a agir como uma, se meter em uma competição de rua numa cidade que você não conhece parece ser muito responsável.

Respirei fundo e o encarei, não era da conta dele e nunca seria. Eu sequer deveria estar nessa maldita casa e se não fosse por ele.

— Isso também não é da sua conta.

Ele uniu as sobrancelhas e algumas linhas de expressões apareceram me fazendo lembrar que ele não passava de um cara de meia idade que parecia ter um complexo sentimento de que tudo deveria girar ao seu redor e da forma que queria.

— Isso tudo depende, você não é da minha conta. — Ele retribuiu o olhar fixo em mim e eu precisei engolir o excesso de saliva. — Mas estamos aqui e dei a minha palavra à maldita da sua mãe que cuidaria de você por não conhecer a cidade, então sugiro que tenha cuidado com o que faz ou o que fala. Eu não sou paciente quanto o puxa saco do seu pai e muito menos seus amigos para você achar que tem algum tipo de intimidade, também não me vejo preso quanto a corrigir você.

Eu comecei a rir, por mais que eu explicasse que eu não tinha idade para precisar de cuidados e que ele não tinha autoridade alguma para fazer nada comigo, não estava adiantando.

E a minha paciência para esse tipo de parente era mínima, talvez por isso eu nunca tenha sentido interesse na conexão com meu avô.

Engoli o restante do vinho que ainda tinha na minha taça e me levantei, peguei a garrafa que ainda estava pela metade na mesa. Ele uniu as sobrancelhas fazendo alguns fios compridos caírem por seus ombros e eu dei de ombros.

— Que se foda a sua promessa tio, você não é nada para mim além de um cara que eu mal conheço e que jura ter algum poder sobre as decisões alheias por causa de sua idade avançada, está na hora de mudar os seus conceitos. — Disse virando a garrafa na boca e o deixei sozinho levando ela comigo.

O inferno congelaria antes que eu deixasse alguém mandar em mim como se eu fosse a porra de uma adolescente, principalmente depois de tudo o que eu passei para chegar onde eu estou, para ter tudo o que conquistei.

Entrei tendo a certeza de que o trinco estava devidamente virado e testei a maçaneta para concluir a tranca, não queria ser incomodada enquanto eu tomava o restante do bom vinho que ele tinha e muito menos por ele achar no direito de qualquer coisa.

Eu não pedi para estar aqui e faria com que ele arcasse com todas as malditas consequências cada uma das vezes que ele tentasse agir como um imbecil por causa da merda do achismo.

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