Capítulo 3 (Parte 3)

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LISSA

(Sem revisão)

CHEGO EM CASA NO COMEÇO DA NOITE, depois de uma tarde maravilhosa assistindo filmes e comendo pipoca na casa da Mila.


Mal entro na sala e já ouço o barulho de vozes alteradas vindas do andar de cima, o que me leva a ter certeza de três coisas:


A primeira: Meu pai chegou do trabalho;


A segunda: Ele está bêbado;


E, terceira: minha mãe e ele estão brigando de novo, para variar.


Suspiro cansada e subo as escadas tentando fazer o mínimo de barulho possível. Tudo que eu não precisava era que a Terceira Guerra Mundial explodisse dentro da minha casa.


As brigas estão ficando piores e cada vez mais constantes. Meu pai sempre chega bêbado em casa; Às vezes também vem acompanhado com manchas de batom vermelho e perfume barato de mulher, o que enfurece (e com razão) a minha mãe.


Aproximo-me da porta e fico escondida, ouvindo a discussão dos dois. Não que precisasse estar tão perto para ouvir, já que os gritos bêbados do Sr. Ferrasi podiam ser ouvidos a dois quarteirões daqui, mas preferi ficar o mais próxima possível. Meu pai nunca foi violento, mas, como dizem "para tudo tem uma primeira vez", então foi meio que uma medida de precaução.


Encostei-me na porta, ouvindo a voz chorosa da minha mãe.


-Você pelo menos podia ter a decência de esconder, já que sou eu que lavo as suas roupas! Como você acha que eu fico sentindo nas suas roupas um perfume que não é o meu?! Eu estou cansada, Giovanni! -Ela diz, sem esconder o ciúme e a decepção pela traição e eu me escolho, sentindo lágrimas se formando em meus olhos.


O sofrimento dela é o mesmo que o meu.


-O que queria que eu fizesse?-A voz arrastada do meu pai me faz sobressaltar. -Quem é você pra me exigir alguma coisa?! A mulher que nem ao menos um filho varão conseguiu me dar! -Acusa em voz alta, tomado pela embriaguez e eu tapo a boca com as mãos, horrorizada com suas palavras.


Não acredito que ele usou um argumento tão baixo com a minha mãe. Sempre soube que Giovanni Ferrasi nunca gostou de mim. Para ele, eu era a personificação da não realização do seu sonho de ser pai se um menino, o tão esperado "herdeiro" que daria continuidade ao nome da família. Ele queria um filho "varão", no entanto nasci eu, uma garota, o que contrariava os planos dele.


Porém, ouvir o próprio falar de uma forma tão fria de um assunto tão delicado, deixou-me completamente arrasada. Provavelmente ele não se lembraria de nada amanhã e caso lembrasse, se arrependeria de cada palavra, mas isso não o isentava da culpa.


Ouvir os soluços da minha mãe dentro do quarto acabou comigo.


Ela provavelmente também estava lembrando do fatídico dia em que tudo aconteceu...


Ela engravidou precocemente aos dezessete anos e após se recusar a tirar a criança (no caso, eu) meus avós a expulsaram de casa. Desde então ela e o meu pai moram juntos, primeiro na casa dos meus avós paternos no Rio Grande do Sul e depois aqui em São Paulo, dois anos após terem se casado no Civil. Sempre houve brigas entre os dois, mesmo quando eu era pequena, o que às vezes me leva a pensar se os dois teriam chegado a se casar se eu não tivesse surgido.


Quase sempre, quando me faço essa pergunta, chego a conclusão de que não, eles não teriam se casado.


Nos primeiros anos porém, tudo era moderado. Em alguns momentos eu tinha certeza de que os dois se amavam, principalmente quando a minha mãe engravidou pela segunda vez, dessa vez de um menino; o filho varão que o meu pai tanto queria.


Eu nunca vira Giovanni Ferrasi tão feliz como quando soube que teria um filho homem. Até mesmo comigo ele passou a ficar mais carinhoso; Cantarolava em italiano pela casa e fazia questão de sair mais cedo do trabalho para ter tempo de comprar flores para a minha mãe no caminho de casa.


Aquele foi, sem dúvidas, o período mais feliz das nossas vidas. No entanto, como uma nuvem negra pairando sobre nossas cabeças, o aborto espontâneo que minha mãe sofreu durante o quinto mês de gestação e as complicações que a levaram à esterilidade, abalaram as estruturas da nossa família desde então.


Meu pai se tornou um homem ainda mais frio que antes, se é que é possível, e um viciado em bebidas alcoólicas. Ele olhava para a minha mãe e para mim com mágoa, silenciosamente culpando à nós duas por não ter o filho homem que tanto desejara. Essa era a primeira vez que ele tocava no assunto de forma clara, e não poderia ter sido pior.


-Clarice, me desculpe! Eu não sei o que estou dizendo... Estou bêbado. -Ele fala depois de um tempo, com a voz mais contida.


O arrependimento é notável em sua voz, mas não o suficiente para que ela o perdoe.


-A bebida não é a culpada. Ela apenas faz com que você fale o que o seu coração está cheio! Ou você acha que eu não sei que você me culpa pela morte do nosso filho?! -A voz dela se quebrou na última palavra e um soluço escapou dos meus lábios.


-Meu amor, eu...


-Saia do meu quarto, Giovanni! . -Minha mãe ordena, sem deixar brechas para discussões e um minuto depois, meu pai sai do quarto cheirando a whisky e cerveja.


O olhar bêbado me encontra encolhida junto a parede e seus olhos passam pelas minhas pernas nuas com raiva e desaprovação.


-Você está proibida de sair com esse vestido! Filha minha não anda nua por aí, pelo menos não enquanto morar debaixo do mesmo teto que eu e comer da comida que eu trabalho para colocar na mesa. -Diz friamente, sem se importar com as lágrimas grossas que molham o meu rosto e sai em direção às escadas em seguida.


Ele nunca tinha implicado com as minhas roupas. Com as da mamãe sim, tanto que ela se vestia como uma senhora de setenta anos e não como uma mulher linda e jovem de trinta e cinco. Não pude deixar de ficar chocada e irritada com o seu tom.


Esperei alguns segundos e entrei no quarto, encontrando minha mãe aos prantos sobre a cama, abraçada a um travesseiro.


Aproximei-me dela e a abracei, sem conter minhas próprias lágrimas ao ver minha família sendo destruída aos poucos.


Choramos por minutos; Talvez horas, até que acabamos dormindo exaustas e emocionalmente abaladas com o que havia acabado de acontecer.





NOTA DA AUTORA: AMANHÃ TEM MAIS!

Um Bad Boy em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora