Melione - Adenna

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   Provavelmente, por nunca ter deixado o Norte, sempre achei a capital maravilhosa, por conta das suas lindas praças no centro, dos comércios luxuosos, das ruas bem asfaltadas, do povo feliz que vivia ali, o baixo índice de roubos e de violência também eram coisas admiráveis, principalmente por estarmos falando do centro da cidade, mas isso vinha a ser tão perfeito por a pobreza ser isolada, escondida das pessoas que não viviam ali, em certos pontos bem distantes do castelo e do centro, se você sequestrasse alguém, ela diria que você a levou para outra cidade. O abismo social construído por anos do reinado da família Kalliste era espantado para longe dos olhos das pessoas, só que aquelas vidas marginalizadas ainda eram seu povo, ainda eram criaturas pensantes com necessidades, ainda tinham sonhos... Ainda desejavam uma vida melhor.

   O rei tentava comover o povo, tentava ascender o nacionalismo em seus corações, para que amassem a pátria acima de tudo, que entendessem assim suas condições e aceitassem que a vida era assim, para que não se revoltassem, que todos eles tinham aquilo em comum, um amor pela nação. Só que aqueles que conheciam meu pai aprendiam da pior maneira que o nacionalismo era para os ricos, para os pobres, não passava de uma manipulação, de um modo de manter o poder como estava, de amar uma família como se fossem, de fato, escolhidos por deuses, mas quem escolheria pessoas tão egoístas para reinar? Que deus seria tão cruel? Enquanto crianças morriam de fome nas favelas do outro lado da mesma cidade, Atarah Kalliste bebia champanhe em taças de cristal banhadas em ouro com outros nobres. Enquanto jovens se matava por meras peças de roupas no inverno, Atarah promovia apresentações de teatro no centro, não que a cultura não fosse relevante, só que quando a fome e o frio entravam pela porta, a necessidade de cultura e qualquer outra coisa saiam pela janela. Ela não entendia de prioridades, pois ela não via o povo, ela via quem era útil.

   Ela não se importava realmente com o povo, assim como seus pais, eles se importavam com aqueles que estavam na sociedade, não tinham interessem em ajudar aqueles que estavam a sua margem, afinal, eles já os tinham perdido para a rebelião. O Rei Aldrich havia abandonado aquelas pessoas, as deixado para morrer de doença, fome e frio, certamente, Atarah não faria diferente, não se ninguém a fizesse perceber que as coisas podiam ser diferentes, que o Norte precisava mudar... Que nós precisávamos nos resolver de uma vez por todas.

   Nem todos os convidados puderam ficar no castelo, apenas os membros das mais diversas realezas e suas nobrezas mais altas. Obviamente não me encaixava em nenhum dos quesitos, mas o rei, que se preparou para receber o maior número de visitantes, reservou as melhores hospedagens da capital para todos aqueles que foram convidados. De forma surpreendente, eu havia sido uma dessas pessoas. Acabei indo por uma questão de proximidade do castelo, também nunca tinha estado em uma hospedagem do centro, já que seus preços eram exorbitantes. Era uma cidadã, morava em Melione, alguém como eu não necessitava de tal coisa, não precisava da pena do rei, dos seus caprichos pintados de falsa gentileza. Tinha como para bancar a minha própria viajem até o castelo, como tive para confeccionar o meu vestido, exatamente como todos os nobres que estavam naquela espelunca luxuosa, nenhum deles precisava de favores dos Kalliste, mas todos tinham aceitado de muito bom grado gastar dos cofres reais, do dinheiro do povo.

   Cerrei minhas mãos de ódio, como podiam ser tão egoístas? Como podiam gastar tanto em futilidades, como eram capazes de ignorar as vidas das pessoas? Com o valor gasto naquele aniversário alimentaria o povo por longos meses, comidas fartas, poderia ajudar a reconstruir bairros de Melione, poderia mudar a história de diversas pessoas, trazer a gratidão delas! Infelizmente as prioridades deles sempre estavam relacionadas aos seus próprios interesses e daqueles que os cercavam. Tentei admirar o pôr-do-sol da sacada da hospedagem, certamente era uma das vistas mais deslumbrantes que tive na vida, perdia apenas para aquelas que tinha tido no castelo, em minha infância.

A queda das rainhas do norte (Em processo de reescrita) Where stories live. Discover now