Doce veneno - Keir

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Keres, a assassina dos cabelos de fogo. Keres, a minha assassina, minha amiga, mesmo sendo minha é um espírito livre, um espírito do caos, o mais belo e viciante veneno que ainda não bebi, mas que tanto cobiço. Keres foi o meu novo começo e sem dúvida será o meu fim.

Mal consegui dormir durante a noite, diferente dela que desabou, acho que nem se os deuses voltassem às terras ela acordaria. Parece tão calma dormindo, assim nem parece ser uma desalmada, mesmo assim, ela é legal. Fui incapaz de dormir, pois hoje eu poderia ter perdido minha única amiga. O que poderia ter acontecido se eu não tivesse entrado?

A Filha do Caos me deixou com a espada do Elfo, mas nem sei o porquê. Não sei usar. Não contei isso a ela. O que teria sido de nós se Faolan tivesse me atacado? Acho que devo ver pelo lado positivo, não aconteceu. Durante toda a nossa viajem tentei fazer com que Keres me contasse pelo menos uma coisa que ela fez ou viveu, mas nada, é tão fechada, tão misteriosa. Eu adoro, mesmo que às vezes isso me incomode um pouco.

Quando amanheceu, ou melhor, quando Keres não tinha mais como dormir, pois já passara do meio do dia, ela acordou. Encontraríamos quem quer que fosse num bar na parte mais afastada da cidade, mas isso seria a noite, mesmo assim, chegamos lá antes de anoitecer, bem antes.

O bar era péssimo, não era como o de Cain, que pelo menos era simpático e limpo. Esse era horrível e fedia a mijo, não havia garçonetes, então Keres que foi buscar as canecas de cerveja. Eu me ofereci, mas ela insistiu. Pegamos uma mesa no canto mais extremo da taverna, o mais escuro e o mais privado. A assassina é famosa e conhece pessoas que são lendas. Ela é tão vivida, e eu... Sou só um ninguém de Epione.

Ela tem a minha idade e viveu, eu existi. Mas quando estávamos na fortaleza dos assassinos acho que se para me tornar uma lenda como Keres eu tivesse que sobreviver a aquilo tudo, diria que estou muito bem sendo um ninguém, mas a ruivinha resistiu, é inteligente e habilidosa, é tão linda. E pelos deuses. Ela é abençoada por eles!

Quando a assassina voltou, trazia duas canecas de ferro, recebi um meio sorriso entes de ela soltar uma caneca na mesa redonda de madeira velha. Keres praticamente se atirou na cadeira, mas não derrubou uma única gota do líquido amarelado. No fim a Filha da Noite já estava bem confortável com seus pés sobre a mesa e se equilibrando na cadeira. Bebi um tempo em silêncio, mas estou muito curioso para saber quem conhecerei. Conheci um Elfo. Acho que existem pessoas que nem sabem se eles são reais, mas eu conheci um Feérico exilado. Que foi incrível, apesar da circunstância.

– Irá me contar quem esperamos ou continuará com esse seu mistério ridículo? – Sem resposta, me ignorou totalmente. – Me contextualize pelo menos.

Sem me olhar ela começou a falar. E ainda brincava de se equilibrar.

– Um dia eu salvei uma Fada. A salvei porque sei como a vida das outras raças é difícil. Somos nada. Então eu a ajudei... Aquela foi à primeira vez em muito tempo que eu estava fazendo algo por mim. Algo pela minha índole, pelo que eu acredito. Salvei uma vida tirando nove.

– Nossa...

– Não sou uma pessoa boa, e nem heróica, mas acho que tenho meus momentos.

– Está querendo-me dizer que conhecerei uma Fada?

Keres apenas acenou positivamente com a cabeça. Eu já havia visto uma Fada, elas costumam ser vendidas em cidades de porto como a que eu vivia. O pó de suas asas dá um barato legal. E elas possuem magia, a qual os Bruxos podem “roubar”. Em geral os Bruxos são sempre retratados como os vilões, mas nem todos nós somos maus, mas enquanto existirem membros da nossa espécie parecidos com herdeiro abdicado do Leste e o príncipe das Terras Capitas, realmente será difícil mudar nossa imagem. Um assassino e um estuprador. Ótimas pessoas para a representatividade de nosso povo no poder.

Não demorou muito tempo até uma mulher encapuzada chegar, ela era pequena, seus cabelos eram pretos com cachos absurdamente fechados e bem definidos, seus olhos, de um roxo forte que se destacava com sua pele escura. A Fada se sentou em nossa frente, as asas estavam cobertas, mas era possível saber o que ela era pela magia selvagem que saia de seu corpo.

– Keres.

– Makayla.

– O que quer? Pensei que tivesse pedido para que cuidássemos da sua mestiça, pois não a queria mais. – Havia um tom de raiva na voz da Fada.

– Cuidado como fala comigo, Makayla, isso é um bar de Bruxos, e você não é forte e muito menos temida aqui. – Minha amiga tirou os pés da mesa e apoiou os braços para seu rosto ficar mais próximo da Fada. – Se vocês fizessem a única coisa que pedi direito, jamais a teria convocado. Movam a criança para Verity. Sei que a cidade em geral é de Elfos menores e Fadas. E a deixem lá, chega dessa vida nômade para ela.

Não sabia que era verdade que os Elfos tinham mesmo uma subcategoria. Elfos menores segundo as lendas são Elfos sem magia, são apenas imortais com tudo amplificado de orelhas pontudas. Que já é algo incrivelmente legal.

– Por que faria tal coisa?

– Pois meu povo sabe da existência dela...

– Por que não deixe que a matem? Não seria menos um problema para você?

O rosto de Keres ela indecifrável, mas eu sentia raiva por ela. Como podem falar algo tão horrível? Mesmo assim achei melhor não me meter.

– Se eu a quisesse morta já a teria matado com minhas próprias mãos, mas não fiz, pois quero a criança viva. E se não a moverem eu juro caçar cada um da sua espécie até entrarem em extinção. Certo?

A Fada se afastou um pouco da assassina. Ela ficou em silêncio por um tempo, pensando, mas não havia em o que pensar. Não existia escolha para ser tomada. Não duvido que Keres realmente fizesse o que dizia.

– Ela está em Vanya. Serão semanas de viajem, e não será seguro. Muito menos a deixar lá.

– A levem para Verity. Não me importo como, mas a levem. Pois sabe o que farei se não levarem.

– Sabemos sim, Keres.

– Ótimo. Até algum dia, Makayla.

Com isso a assassina saiu, não achei que deveria ir atrás, então fiquei na mesa com a Fada, que tremia e suava. Empurrei meu copo para perto dela para que ela bebesse e se acalmasse um pouco. Após a mulher dar um gole, Makayla me agradeceu. Nenhum de nós dois se levantou da mesa, ficamos encarando a entrada da taverna esperando o retorno da Filha do Caos. Algo que não aconteceu.

– Me desculpe por ela. – Disse chamando a atenção da moça.

– Tudo bem. Já estamos acostumados a... Keres em geral.

– Ela é meio cabeça quente, e má, bem violenta, ruim...

A mulher me interrompeu, parecia absurdamente ofendida e brava por falar de tal jeito de Keres.

– Ela salvou uma Fada da morte certa, e puniu os assassinos. Keres não é má, só é... Complicada, às vezes nos deixamos levar pelo que os Bruxos falam dela. A ruiva salvou uma inocente. Poderia ter seguido seu caminho, mas não, ajudou, pois ela achava que era o certo a se fazer. Então não deixarei que fale assim dela. Até, Bruxo.

E assim, após um discurso de como eu sou um babaca a Fada foi embora. Fiquei sozinho. Nem sabia para onde ir, mas precisava achar Keres. Uma visão de cima iria ajudar, mas nem foi necessário. A assassina surgiu da própria névoa e estrelas e segurou no meu braço me puxando.

– Precisamos voltar para Melione. Agora. Aparentemente Atarah acordou um bichinho das Montanhas de Dhara. E pelo que fui instruída, não posso deixar que ela morra.

– Agora você é babá?

– Agora o jogo começou. – Disse ela com um sorriso malicioso no rosto.

Não gostei muito da expressão de Keres, isso me soa que algo grande está prestes a acontecer, algo que mudará tudo. A peça do divino. É isso que a assassina é, mas por que ela foi à escolhida? Sinto que a partir de agora nada de bom virá. E com isso, naquela mesma noite começamos nossa viajem de volta para a capital. Para o local onde uma guerra silênciosa acontecia. Onde o ouro e a prata se enfrentavam de forma indireta. Estávamos voltando para o campo de batalha, o aparente tabuleiro.

A queda das rainhas do norte (Em processo de reescrita) Onde as histórias ganham vida. Descobre agora