A Hospitalidade

461 71 2
                                    


*

— Achei que teria mais tempo.

Melina balançou a cabeça, concordando com a mulher ao seu lado. Seus lábios se contraíram, expondo o pesar que a tomava. Desviou o olhar para a praia, onde Virnan conversava com os recém-chegados, e disse:

— Os deuses têm seus próprios planos e, na maioria das vezes, nossa vontade não interessa a eles.

A mulher cruzou os braços. Respingos de chuva e vento invadiam o quarto estreito e humilde, através da janela que compartilhavam.

— Tenho medo — revelou.

Melina se voltou para ela, novamente. Também se sentia da mesma forma, contudo tentava aparentar ser tão sólida quanto as rochas que compunham o castelo que habitavam. Forçou um sorriso.

— É natural — a grã-mestra disse em meio a um sussurro.

— A senhora já esteve diante dele. Como foi? — Deu-se conta de que passou quase vinte anos ao lado dela e jamais lhe ocorreu aquela pergunta.

Melina inspirou. Havia erguido uma barreira para bloquear a lembrança a qual se referia, mas a sensação jamais a abandonou.

— Foi aterrador. — Confessou.

Analyn inclinou a cabeça, esforçando-se para manter os ombros eretos e aceitou, com gratidão, o braço que a idosa deslizou em volta da sua cintura. Retornou sua atenção para a praia.

— Às vezes, gostaria de ter um pouco da coragem que ela sempre demonstra.

Fixava o olhar em Virnan, deixando claro que era dela que falava.

— Não se iluda. Você é a mulher mais corajosa que já conheci e não há como descrever o que está prestes a fazer por seu povo e este mundo de outra forma.

A luta na praia foi retomada e a grã-mestra concluiu o pensamento:

— Creio que, embora Virnan se mostre valente diante dos perigos que circundam a vida de um ordenado, ela está sempre imersa em medo.


**

Virnan jogou o corpo para trás, apoiando-se na espada que Verne havia lhe entregado, e assistiu a lâmina do Comandante Loyer cortar o ar, no exato lugar em que sua cabeça havia estado. Chutou o peito dele, jogando-o para trás.

Loyer cambaleou, buscando o equilíbrio. Arrastou a espada em um golpe transversal, de baixo para cima, mas a guardiã o bloqueou. Ela girou o punho, afastando a lâmina para o lado e chutou uma pequena quantidade de areia molhada que atingiu a face dele. Enquanto o comandante axeano gritava de raiva, Virnan lhe passou um rasteira.

— Trapaceira! — Ele rosnou com a espada dela na garganta.

— Não tanto quanto você, que atacou quando não lhe oferecia qualquer risco. Considero isso como uma forma de equilibrar as coisas. — Sorriu de lado, fazendo-o pensar que aquela era uma guardiã diferente dos que conheceu.

Ela pisava na lâmina da espada dele e a chutou para o lado, deixando-a longe o suficiente para que não pudesse lhe oferecer perigo. Então, atirou a espada de Verne para um dos guardiões que a acompanhavam. Durante a luta, os soldados de Axen permaneceram imóveis, já que os guardiões se mantinham firmes entre eles e seus adversários e, também, pela surpresa de ver seu comandante travar combate com uma mulher e perder facilmente.

Virnan apontou para uma pedra, que marcava o fim da faixa de areia da praia e o início da estrada que levava à muralha do castelo.

— Aquela pedra marca o início do Círculo de Boas-vindas ou, se preferirem, o Círculo da Amizade. Se a cruzarem, significa que querem entrar no castelo em paz. Deverão deixar suas armas nos portões e serão recebidos como velhos e queridos amigos, dividirão de nosso alimento e do fogo que nos aquece.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now