Branco e Vermelho

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*

A noite se aproximava quando adentraram na Cidade dos Eleitos. Os últimos raios de sol banhavam as construções, pintando tons alaranjados nas pedras milenares.

O lugar era diferente do que Marie imaginou, quando ainda era uma eleita. As descrições de Melina, embora detalhadas, não alcançavam a sua verdadeira beleza e imponência. Em verdade, era muito semelhante a Flyn, contudo parecia menos amistosa, graças a ação do tempo e a ausência do grande número de árvores que costumavam integrar-se e muitas vezes forneciam sustentação para as construções da capital florinae.

Não houve resistência à entrada deles na cidadela. Com efeito, o fato de não haver ninguém guardando as muralhas, trouxe muito incômodo a todos. Por isso, tomaram algum tempo de observação e investigação antes de arriscarem-se a entrar no covil do inimigo.

— Mantenham-se atentos. — Verne alertou.

Ele dividiu os homens, colocando-os em grupos com um ou mais ordenados. Melina alimentou as chamas de tochas com sua magia e as distribuiu entre eles. Seguindo seu exemplo, Voltruf congelou as pontas das flechas e as lâminas das espadas e punhais longos.

Após os arranjos, o espírito tomou um momento para admirar o lugar em que passou a maior parte da vida. Seu semblante parecia tão sóbrio e rígido quanto o de uma estátua. Virnan costumava falar para Marie que "um olhar pode dizer mais que palavras" e, assim, não escapou à mestra a emoção do espírito.

— Apesar do tempo, parece que não mudou muito. — Disse Bórian, com o leve indício de um sorriso debaixo dos fios negros da barba.

Assim que saíram da Floresta, ele e Voltruf voltaram a ser invisíveis para todos, exceto Melina e Marie.

— Não diga besteiras — reclamou a amiga. — Este lugar não se parece mais com a nossa casa.

Ela se empertigou ao sentir uma mão solidária pousar em seu ombro. Encarou Marie, percebendo nela uma profunda compreensão das suas emoções.

Talvez tenha sido o calor da mão dela ou ainda o sorriso suave nos lábios rosados. Fato era que, de uma maneira estranha, isso a fez se sentir ligeiramente envergonhada, enquanto se entregava a vontade de falar o que se passava na mente.

— Era muito jovem quando a minha magia despertou. Vir para cá foi assustador, mas também me fez sentir livre pela primeira vez na vida. Ser reconhecida como uma castir, proteger nosso povo e mundo... Isso me enchia de orgulho. Não importava o que acontecesse, os lugares e tragédias que visse, quando cruzava os portões deste lugar, tudo de ruim deixava de existir. Agora, é só isso que ele representa: Coisas ruins.

Falava baixo, como se estivesse realmente contando um segredo, e a mão da mestra aumentou a pressão antes de se afastar. Marie gesticulou algo rapidamente e adiantou o passo para alcançar Verne e Emya.

Coube a Melina, que assistiu o diálogo em silêncio, traduzir:

— Ela disse que você tem olhos bonitos demais para deixar que a tristeza os domine e que ainda tem muitos motivos para se orgulhar. Um lar não é feito apenas de tijolos. Nosso lar também está em todas as pessoas que amamos, nas histórias que compartilhamos com elas e no nosso legado. — A grã-mestra sorriu, benevolente, e seguiu a sobrinha.

Bórian deu um tapinha nas costas da amiga.

— Está ficando sensível depois da morte! — Ele troçou.

— Diz o sujeito que se sente "vivo" no meio de um banho de sangue.

Ele riu e a incentivou a continuar.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now