A Mão Assassina

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*

Marie fitou a tempestade, liberando um suspiro. Deu alguns passos arrastados e recostou-se a mesma coluna em que Virnan se apoiava. Por alguns instantes, o som do sino avisando que o jantar estava sendo servido se sobressaiu.

Estalou os lábios, furiosa consigo mesma por não conseguir passar muito tempo com raiva da guardiã. Embora tivesse tentado manter-se firme, foi só vê-la se afastar com aquele sorrisinho, que toda a sua raiva ruiu como um muro velho.

Ela não havia notado sua presença, mas não demonstrou surpresa quando escorregou a mão pela superfície sólida até alcançar a dela e envolver. Alguns segundos se passaram, até que a amiga correspondesse ao aperto.

Permaneceram assim por algum tempo, então Virnan se colocou diante dela e deslizou a ponta dos dedos pela face morena, onde algumas gotas de chuva buscaram abrigo. A mestra desviou o olhar.

— Então, estou perdoada?

"Às vezes, tenho muita vontade de te bater, sabia?"

Uma gargalhada escapou dela, preenchendo aquele momento com a luz que sempre carregava. Era isso que mais admirava em Virnan; o sorriso, a alegria, mesmo quando ela não a sentia de verdade. Contudo, algo sempre lhe disse que, ao seu lado, todos aqueles sorrisos eram verdadeiros.

"Às vezes, te odeio e, em outras..."

— Me ama?! — Interrompeu.

A amiga inspirou fundo, revirando os olhos.

"Há momentos em que é difícil conversar com você. Sempre aparenta não dar a devida importância às coisas."

— Eu me importo com muitas coisas. Mas me importo, muito mais, com você. — O vento espalhou seus cabelos sobre o rosto, escondendo a seriedade que o tomou por alguns instantes. — Desculpe por magoá-la com os meus sentimentos.

Marie balançou a cabeça e voltou a encará-la.

"Você nunca me magoou. Mas gostaria que não voltasse a repetir essas coisas."

A guardiã notou que os respingos, na verdade, eram lágrimas e engoliu em seco.

— É tão ruim assim, ouvir sobre o que sinto? — Aparou uma de suas lágrimas com a ponta do dedo.

A mestra franziu o cenho, afastando o contato. A pergunta era muito semelhante a que Melina lhe fizera naquela tarde.

"Não se trata disso."

— Então?!

Fugiu do olhar dela, outra vez.

"Será que poderíamos esquecer esses sentimentos e retornar a nossa amizade? As coisas eram perfeitas do jeito que estavam."

Virnan encheu as bochechas de ar e revirou os olhos. Aproximou-se um pouco mais. Naquela noite, não estava muito disposta às provocações. Além disso, sua partida se aproximava e tudo que menos queria era fazê-lo, deixando uma Marie magoada consigo.

Aquela deveria ser uma noite de conversas sinceras com a mestra, mas a chegada de Verne, Loyer e companhia mudou seus planos. Tinha muito com o que se preocupar naquele momento e não podia se dar ao luxo de deixar essas coisas de lado para resolver sua vida amorosa.

— Está bem. Se é assim que quer, esqueçamos isso — Marie ensaiou um sorriso, que não chegou a se concretizar —, mas quero que me diga, olhando em meus olhos, que não sente nada quando te beijo.

A mestra passou a mão nos cabelos, arrancando alguns fios da trança, exasperada. Era inacreditável a capacidade que Virnan possuía de fazê-la perder a compostura, minando seu temperamento calmo.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now