Sangue Deminara

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*

Melina encarou as gravuras no teto por algum tempo. Estava no salão de refeições do palácio, sentada em uma mesa longa, que ostentava uma farta refeição, a qual compartilhava com os companheiros de viagem, exceto, Virnan e Lyla.

A guardiã ainda estava inconsciente.

Joran lhes contou que, por ser uma Castir, ela conseguia ver e ouvir os espíritos que se aglomeravam na cidade — não era uma novidade para eles — e que por ser uma auriva, cuja sensibilidade auditiva era maior que a de outras castas, o som dessas milhares de vozes a afetava dolorosamente.

Ninguém perguntou o motivo de haver tantos espíritos ali, mas a questão podia ser lida nos semblantes sérios e no silêncio apreensivo que os tomava.

Baixou a vista para a mesa e focalizou a sobrinha. Desde que sentou ao seu lado, ela não parava de olhar para a tatuagem na mão, cujo significado não quis lhe perguntar, mas não precisava se esforçar para saber que tinha algo a ver com Virnan. Reparou que Joran também observava a tatuagem dela com uma sobrancelha arqueada e isso aumentou sua curiosidade, contudo preferiu não fazer indagações. Pelo menos, não diante dos outros.

O som agudo de um talher tocando o fundo de um prato de forma ligeiramente violenta, atraiu a atenção para Fantin. A mestra loira, assim como o resto do grupo, tinha aproveitado a hospitalidade e tomado um banho relaxante e perfumado, que retirou parte do cansaço em suas feições. A beleza da qual era dona, tornou-se mais evidente dentro das vestes florinae que usava. O mesmo ocorreu a Tamar, que sentava ao seu lado.

— E agora? — Ela indagou para ninguém em especial.

Lorde Verne mexeu-se na cadeira, com ar impaciente. Seus pensamentos estavam em Emya e no perigo que tinha lhe pedido para correr ao depositar sua fé em Virnan. Afastou o olhar do prato vazio, tomou um gole farto de vinho e fez um gesto displicente, dizendo:

— Esperamos ela acordar e descobrimos de vez o que está se passando aqui.

Ele já tinha uma boa ideia. Pelo menos, no tocante às intenções do Cavaleiro Vermelho. Quanto a todo o resto, estava no escuro, assim como os outros.

— A não ser que o nosso amigo ali, queira nos dar uma introdução — fez um gesto de cabeça para Joran, que ocupava uma cadeira próxima à cabeceira da mesa diante de um prato vazio, no qual nenhum alimento chegou a ser depositado para o consumo.

O rapaz sorriu, gracioso, abandonando a contemplação da mão de Marie.

Os Portões de Cazz estão fechados. — Disse ele.

— E nós deveríamos saber o que isso quer dizer porque... — Fenris arqueou uma sobrancelha, balançando um pedaço de carne que estava a meio caminho da boca.

O guerreiro florinae se mostrou decepcionado. Afinal, as crianças de seu povo, antes mesmo de aprenderem a falar, ouviam a história da formação daquele mundo e reino. Fez um barulhinho com a garganta, claramente irritado.

Vocês viajaram com uma Castir até aqui e nem sabem o que são os Portões?!

Mestra Tamar sorriu, demonstrando uma rara irônia no gesto.

— Não sabíamos que ela era florinae até poucos dias atrás. Seu povo não passava de uma lenda para nós. — Explicou com um timbre cadenciado. — Ainda que muito nos tenha sido revelado ao longo da viagem, pouco sabemos de fato.

Ela fitou as companheiras por um instante, disposta a arrancar algumas respostas dele. Escolheu as palavras com cuidado, já que, embora tenha sido cordial, ele não escondeu que desgostava de Virnan, assim como ela demonstrou o mesmo de forma mais aberta. Em verdade, acreditava que eram poucas as pessoas em que a guardiã não causava esse efeito. A língua afiada, a arrogância, o humor, muitas vezes, excêntrico, sempre provocaram aquele tipo de atitude.

A Ordem: O Círculo das ArmasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora