Bórian

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*

O vento açoitava forte as muralhas maciças de Valesol, e a chuva desabava como se os céus estivessem em pranto. Talvez estivessem mesmo, pensava Marie, recordando que a jornada que a levou até ali, começou em um dia de tormenta, como aquele.

Ela pousou o olhar na torre norte de vigília, onde dois arqueiros esforçavam-se para manter a atenção além das muralhas. Mas a chuva era tão intensa, e as nuvens sobre suas cabeças tão escuras, que pouco se via além do fosso em volta delas. O vento atirou gotas de água gelada na face de Marie, que estava recostada a parede do corredor externo, ao lado da porta do quarto em que Virnan repousava.

A mestra baixou a vista para as mãos trêmulas, que nada tinham a ver com o esforço que fez para livrar a esposa do veneno. A quantidade de magia que usou era insignificante. Mas a sensação de agonia que a tomou quando encontrou a "raiz" dele, ainda a tomava.

Diante do pedido de pressa que Virnan fez, Bórian encerrou a conjuração que reprimia a magia de Marie. E, como ocorreu em Bantos, a mestra cerrou os olhos, encostou a testa à da guardiã e foi sugada para o interior dela. Outra vez, viu cada veio mágico que percorria o corpo da esposa. Admirou as cores deles que, diferentemente da vez anterior, — quando a magia dela ainda estava aprisionada — se cruzavam em milhares de pequenos pontos, formando pequenos círculos de luz, que brilhavam intensamente como estrelas. Eles realmente lhe pareceram uma constelação.

Obedecendo as instruções que Virnan lhe deu, navegou naquele rio de cores mágicas à procura do veneno da Sombra. A tarefa era cansativa e pareceu lhe consumir por horas. Em verdade, apenas alguns minutos se passaram.

Aquela "coisa" parecia mesmo com um emaranhado de raízes, que se conectavam aos veios mágicos de Virnan. E, quando se deu conta da presença de Marie, tentou atraí-la e se conectar a ela, enervando seus pensamentos. Por algum tempo, a mestra se entregou àquelas sensações, e uma crescente tristeza começou a se assentar em seu coração.

Estava se entregando àquele veneno e deixando que a tomasse também, mas a voz de Virnan a alcançou. A esposa sussurrava o voto que as uniu, recordando-a que a descoberta daquela união, foi o momento mais feliz de sua vida. Como se aquela alegria erguesse um escudo à sua volta, seus pensamentos clarearam e ela apressou-se a erguer uma mão fantasma que a conectou a aura mágica de Melina.

Juntas, tia e sobrinha, extraíram o veneno da guardiã. Marie manteve a expressão inalterada, assim como a tia, mas Emya não conteve o grito de susto. Como Virnan disse, era apenas o veneno de algo ruim, mas ele começava a tomar a forma de uma sombra e apresentou-se para eles como se fosse uma criança deformada, cuja pele era feita de óleo negro e viscoso, e os olhos eram duas órbitas vazias.

A mestra encarou-o por um instante, então pegou a adaga. Enfiou-a até o cabo naquela criatura asquerosa, então entregue a raiva pelo mal que aquela coisa estava fazendo a mulher que amava, não sussurrou, não falou devagar. Ela simplesmente gritou:

— Luminai!

A luz que tomou o quarto era tão forte que, por alguns instantes, foram cegados. Quando desapareceu, Virnan estava inconsciente, sendo apoiada por Melina para que não caísse do banco. Emya tinha os olhos arregalados e os lábios entreabertos, como se o ar lhe faltasse. Quanto a Bórian, tinha perdido completamente a postura altiva. Suas feições demonstravam um pesar tão grande que, por um momento, as mulheres imaginaram que ele iria chorar. Contudo, o espírito recuperou-se rápido e tomou a ex-companheira de círculo nos braços para depositá-la na cama cuidadosamente.

— Você está bem?

A pergunta de Emya arrancou Marie da contemplação das mãos. Baixou-as e escondeu nas costas em um gesto casual, que Virnan costumava repetir com frequência. Inclinou a cabeça, afirmativamente. Lançou um olhar para a porta do quarto, de onde a irmã tinha acabado de sair. Lhe adivinhando os pensamentos, Emya disse:

A Ordem: O Círculo das ArmasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora