A voz da terra - [FINAL]

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Érion desceu as escadas que levavam ao subsolo do palácio envolto em uma alegria quase infantil. Ele riu quando chegou ao último degrau e viu-se diante de um corredor que, de tão bem iluminado, até parecia ser dia. Era ladeado por dezenas de portas que levavam a outros corredores e portas. Um pequeno, mas cruel, labirinto no subsolo do palácio.

O som dos passos dele reverberava pelas paredes milenares a cada metro que avançava. Caminhou por vários corredores, atraído pela magia dos Portões. Sem isso, talvez tivesse se perdido.

Ele estacou na metade de um corredor. Observou, divertido, os homens e mulheres que o aguardavam ao fim dele. Os trajes denunciavam que não eram soldados comuns e, sim, a elite do exército florinae. Eram comandantes de todas as castas, incluindo Manirs aurivas. Os magos e soldados mais habilidosos do reino.

Em outros tempos, alguns foram seus amigos íntimos. Frequentaram seu reino, palácio e até mesmo o leito. Naquela época, Érion ansiava pela companhia e respeito deles. Agora, havia outros anseios e objetivos a serem alcançados. Aquelas pobres almas estavam destinadas ao esquecimento, já que tinham optado por ir contra ele.

Certamente, teria sido um combate épico, milênios atrás, e Érion se encontraria em grande dificuldade diante de adversários tão poderosos. Entretanto, naquele momento, não passavam de "crianças" ante o poder que ele acumulou.

O "cavaleiro" passou por eles, assim como fizera com os soldados na entrada do palácio. Não foi um embate longo, embora Érion tivesse sido obrigado a despender um pouco mais de esforço e magia, do que imaginou, para subjugá-los. Ele não se preocupou em matá-los, afinal seria um desperdício de tempo e magia, já que o Círculo de Armas o impedia de absorver o poder deles. Contudo, mortes ocorreram.

Ao fim da luta, Érion caminhou pelo corredor com orgulho, pisoteando o sangue e ouvindo os gemidos dos sobreviventes. Uma mão agarrou-lhe a bota, impedindo seu avanço. Ele baixou a vista para a mulher que o fizera. Havia tanto sangue sobre o rosto dela, que demorou um pouco para reconhecê-la. Adna, era seu nome. Era uma comandante sagaz e a segunda na linha de sucessão do Reino do Norte. Érion olhou-a por tempo suficiente para recordar da época em que seu pai, Tarik, almejou casá-los com o intuito de que a união fosse capaz de diminuir os conflitos entre os dois reinos e, assim, Sulitar e Norobor pudessem formar uma aliança e impedir a guerra pelo trono de Flyn.

Não era amor, jamais seria. Casamentos assim raramente aconteciam em Flyn, mas o Érion daquela época teria se casado com Adna cheio de orgulho; não só por estar cumprindo o desejo do pai e agindo em prol de Sulitar, mas porque aquela fora uma das mulheres mais belas e cobiçadas de Flyn. E, sobretudo, era dona de uma inteligência admirável que, muitas vezes, rendeu fortes discussões entre eles nos festivais da capital.

Ele sorriu de lado, pensando na sua ingenuidade no passado. A mão de Adna escorregou, deixando uma mancha de sangue onde o tocou. A mulher inspirou fundo e com ruído, fechou os olhos e ficou imóvel, então Érion retornou ao seu caminho sem olhar para trás.

Quanto mais ele avançava, mais forte se tornava a presença dos Portões.

Ao fim do corredor, ele deparou-se com portas imponentes e tão lustrosas que poderia se dizer que tinham acabado de serem confeccionadas. Inspirou fundo, deslizando os dedos longos pela madeira. Magia impregnava-a. Era antiga e poderosa e ele molhou os lábios com a ponta da língua, como se estivesse diante de uma saborosa refeição.

Não havia dúvidas de que aquelas portas guardavam seu objetivo.

A entrada não tinha tranca e ele simplesmente empurrou a madeira, deixando a mão deslizar por ela até o centro onde as duas se encontravam. As dobradiças rangeram alto antes de fornecerem a visão do que havia além das portas. Érion observou um salão tão largo e espaçoso quanto o do trono, andares acima de onde estava.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now