O poder de um Castir

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*

Os cabelos de Fantin se agitaram, embalados pela força do vento que entrava pelo teto, quando ela se pôs de pé. Devolveu a adaga para Virnan e começou a se afastar, dizendo:

— Não posso fazer isso. Não me peça algo assim.

A amiga sabia que o que lhe pedia era doloroso, mas necessário.

— Não seja tão inocente, Fantin! Acha mesmo que podemos ganhar essa guerra sem derramarmos nosso sangue?!

Ela interrompeu os passos e voltou-se com uma expressão colérica.

— Há uma grande diferença entre ser inocente e não querer tirar a vida de uma amiga!

— Não lhe pediria algo tão custoso se não fosse necessário.

Seus olhos pareciam pedras preciosas na luminosidade mágica daquele lugar. Tinha uma expressão quase fantasmagórica e, por um instante, Fantin a enxergou assim.

— Acha que Marie o faria?! Acha que posso pedir uma coisa dessas a mulher que amo, quando a fiz casar-se comigo, exatamente para que não se tornasse um sacrifício?! Quando lhe prometi uma vida juntas agora e após a morte? Acha que Melina teria coragem de fazer isso à sua sobrinha ou de quebrar o precioso juramento da Ordem, do qual tem tanto orgulho? Acredita que Tamar, aquela alma doce e sensível, que se esconde por trás do amor ao conhecimento, poderia empunhar esta adaga e apagar minha existência?!

Fantin caminhou até ela, cada vez mais revoltada. Os sentimentos instáveis espalhando-se por seu semblante na forma de um forte rubor. A raiva era tanta, que o ar até lhe faltou por um momento.

— E por que acredita que eu teria capacidade para tal?! Por que me joga um ato tão penoso sobre os ombros, quando nem mesmo sua irmã foi capaz de fazê-lo no passado?! — Deu-lhe um safanão na mão que segurava a cópia da adaga e esta lhe escapou entre os dedos e rolou pelo chão até parar na base da fonte.

O característico sorriso irônico dela a atingiu como se fosse um soco no estômago. Se não reconhecesse o brilho da seriedade em seus olhos, acharia que brincava consigo.

— O que fiz para proteger este reino era o meu dever, assim como era o dever de Lyla. — Apanhou a adaga e sentou-se na beirada da fonte, quase no exato local que Lyla sentou um pouco antes de fazerem o ritual. — Não se iluda, Fantin, ela diz que me ama e sei que é verdade, mas se fosse realmente necessário e inevitável para o bem do nosso povo, ela mesma teria arrancado o meu coração.

A mestra experimentou uma desagradável sensação no estômago, como se tivesse comido pedras e, agora, essas lhe pesassem dolorosamente. O riso de Virnan não escondia o azedume que a verdade lhe trazia. Ela continuou, com voz um pouco arrastada e mais baixa que o normal:

— Ela era uma rainha com a vida de seu povo em mãos, não apenas isso. Suas responsabilidades tornaram-se muito maiores quando me tomou aquela pedra e viu o futuro deste mundo.

Fantin tornou a largar-se no banco, enterrando o rosto entre as mãos por um instante longo demais. A cabeça lhe doía e a felicidade que a consumia por ter feito um voto de união com Tamar, já não era suficiente para aplacar a negatividade das emoções para as quais aquela conversa a arrastou. A mirou, desejando ter se deixado convencer por Tamar e ficado na cama pelo resto da noite.

— Pode ser verdade, mas ainda assim ela a protegeu. Encontrou uma forma de salvá-la e apenas tirou Zarif de você — argumentou, por fim.

A risada de Virnan cresceu. Jogou um das adagas no ar, que girou e caiu em sua mão, brilhante, para tornar a ser atirada no vazio. A guardiã começava a se cansar do assunto. Recuperou a adaga pela última vez, então a atirou aos pés de Fantin, onde enterrou-se até a metade no chão.

A Ordem: O Círculo das ArmasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora