Zarif

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A noite era puro silêncio em volta da Cidade dos Eleitos. Nem mesmo os guardas nas muralhas ousavam quebrá-lo, entregues a uma vigília mórbida. Andavam sobre as muralhas com passos arrastados, ainda que suaves. Vez ou outra, trocavam cumprimentos, apenas um inclinar de cabeça, e seguiam seus caminhos.

Era assim todas as noites. Nada de extraordinário acontecia naquele lugar, exceto, quando o despertar do Cavaleiro se aproximava ou o Lorde de Axen o visitava.

Ligeiramente entediado, Ilan Dastur observava os passos dos soldados, quase invisíveis daquela distância. Ele estava em uma janela na torre norte da fortaleza que se erguia no centro da cidade que não passava de uma dezena de construções cercadas por jardins sempre floridos, cortados por passeios calçados com pedras negras cheias de símbolos antigos.

Em um passado distante, aquele lugar fizera parte do centro do poder da civilização enaen e, posteriormente, florinae. Contudo, seiscentos anos antes, tinha se tornado o lar do homem que destruiu o reino flora e que, agora, aguardava a oportunidade de repetir essa façanha com o resto do mundo.

Ilan estalou a língua, pensando em Maxine. Passou os últimos cem anos ansiando pelo dia em que ela, finalmente, entenderia seus motivos e regressaria para o seu lado e, juntos, ajudariam o Cavaleiro a alcançar seu objetivo.

Mas ela nunca veio. Em vez disso, tirou do seu mestre o sacrifício que lhe era devido e ousou machucá-lo.

Pousou a mão na balaustrada. Maxine era uma tola, mas lhe comprazia imaginar que um dia se encontrariam no novo mundo que o Cavaleiro iria criar. Então, riria dela como fazia quando eram crianças. Depois, lhe ofereceria a mão e convidaria para compartilhar a glória.

Mas estar ciente de que a reencontraria em um futuro próximo não lhe tirava a dor de saber que ela partiu para as Terras Imortais. Por isso, não hesitou em enviar sugadoras para roubar a alma da mulher que a matou. Tinha planos para ela e todos compreendiam uma eternidade de sofrimento.

Semicerrou os olhos, fitando o horizonte. De repente, uma estranha sensação lhe tomou. Do alto do castelo, o rugido do dragão Zarif se elevou, tão alto e assustador que alguns dos soldados na muralha se encolheram.

Ilan se voltou para o interior do castelo. Cruzou o salão com passos rápidos e estacou diante do homem sentado no trono com o queixo apoiado na mão. Parecia estar dormindo, contudo ele abriu os olhos, deixando que a grande aura mágica que possuía preenchesse o salão. Ilan, Lorde de Axen, foi obrigado a se ajoelhar perante a pressão daquele poder.

Ergueu a face para ele, sentindo um arrepio percorrer o corpo ao ouvi-lo dizer:

— Um Castir despertou.

— Impossível! — Gaguejou o lorde.

Ouviram o rugido do dragão, novamente. Instantes depois, Ilan se deu conta de que o spectu andava pelo teto do salão, fincando as unhas nas rochas que compunham as paredes. Por fim, ele saltou para o chão e alojou-se atrás do trono do Cavaleiro.

Como sempre ocorria quando o ouvia falar com voz estranhamente humana, o lorde baixou o olhar para o chão.

Um pacto Castir foi feito... — Ele virou a cabeça e esticou o pescoço para encarar o Cavaleiro, cujos olhos violetas brilhavam de ódio.

— Como é possível? Não existe um Castir há milênios. Me certifiquei disso.

O dragão pareceu sorrir, exibindo uma infinidade de dentes pontiagudos. Os olhos amarelos se fecharam um pouco, maldosos.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now