Colina Merida

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Marie passou a mão no rosto e afastou os fios longos e molhados que grudavam-se em sua testa. A chuva e o vento eram tão fortes que mal podia enxergar Virnan de pé sobre a muralha. O som da tempestade invadia seus ouvidos e as gotas grossas lhe tocavam a pele como se fossem agulhas.

A esposa tinha o olhar fixo no horizonte, como se pudesse enxergar algo mais além do vale que se estendia colina abaixo e das montanhas e florestas além dele. Segurava a adaga com as duas mãos, junto ao peito. Os lábios movimentavam-se como se estivesse em meio à uma oração e era mesmo provável que estivesse recitando a prece que os aurivas costumavam entoar antes de ir à guerra.

A ouviu declamá-la uma centena de vezes ao longo do ritual no Salão Lunar. Obviamente, não recordava as palavras, contudo sabia que era algo lugúbre, mas bonito.

— Não consigo acreditar que ela quer ir até lá sozinha! — Emya falou, também fitando o horizonte.

A apreensão crescia em seu íntimo, como se fosse uma massa palpável que pudesse expulsar de si a qualquer momento. Era tamanha, que chegava a lhe tomar o ar. O medo, é claro, era a força principal dela, ainda mais quando recordava a forma monstruosa que viu Marie e a tia retirarem do corpo de Virnan. Mas aquela sensação não era recente. O sentiu, pela primeira vez, no dia em que a irmã foi eleita para o sacrifício. Depois disso, ele se tornou uma constante em sua vida, então começou a encará-lo como um companheiro indesejável, mas necessário. Era por isso que aparentava estar tão serena naquele instante, ainda que desejasse gritar e mostrar-se realmente frágil, como seus comandantes a enxergavam.

— Se esses homens ou coisas, sei lá, são tão poderosos, é mais sensato que fujamos! — Continuou. — Contudo, com os túneis naquele estado, só nos resta lutar. Ainda assim, é uma loucura que ela queira ir sozinha.

— Ela não irá sozinha. — Marie se fez ouvir. — E os túneis estão parcialmente destruídos, mas Lian e os guardiões estão tentando estabilizar a construção com magia. Logo poderemos começar a evacuação.

Percorriam a muralha, espremendo-se entre os soldados de prontidão. Emya estacou e pegou o braço dela, interrompendo seu avanço. A fez se voltar para fitá-la.

— Espero mesmo que eles consigam em tempo. — Fez uma careta de frio, os lábios tremiam ligeiramente. — Eu entendo; de verdade. Compreendo o que deseja fazer e o motivo, mas rogo para que desista da ideia de acompanhá-la.

As mãos de Marie sentaram em seus ombros, carinhosas, assim como o olhar que lhe dedicava. Era a personificação da tranquilidade, ainda que não se sentisse assim.

— Não permitirei que ela vá sem mim — afirmou.

O corpo da irmã estremeceu de frio ou medo; Marie imaginou que os dois. Um trovão aumentou o tremor dela, que encolheu-se um pouco mais antes de falar:

— Vocês vão morrer! Não posso permitir que entre em algo assim depois de escapar de uma morte certa. Nem consigo acreditar que ela irá permitir isso depois da forma como falou àqueles homens!

Os olhos de Marie resvalaram em Melina e Bórian que as seguiam poucos metros atrás. A tia continuava mantendo a aura expandida para lhe permitir a palavra. Era um pouco cansativo, mas nada que lhe consumisse demais após tantos dias de descanso em Flyn. Acompanhava a conversa com interesse, reconhecendo na sobrinha caçula muito da personalidade do pai.

— Eu já lhe disse isso. Irei aonde ela for e farei o que ela fizer. Não a deixarei sozinha. Além disso, somente alguém com magia espiritual é capaz de lutar contra essas criaturas. E, no momento, só há cinco pessoas capazes de fazer isso aqui em Valesol.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now