Analyn

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Marie Analyn d'Santuria, este era o seu verdadeiro nome. Fora batizada com o nome de duas rainhas famosas, das quais descendia diretamente. Ambas, mulheres fortes e sábias, que guiaram Midiane para uma Era de prosperidade em seus respectivos reinados.

Mas, no palácio, apenas Analyn era utilizado, já que sua falecida mãe também se chamava Marie, a terceira com este nome em sua linhagem. Então, o primeiro nome caiu no esquecimento do povo, sendo utilizado apenas em cerimônias oficiais. Mas a irmã caçula, Emya, sempre a chamava por ele na intimidade. E, quando ingressou na Ordem, escolheu ser reconhecida somente por ele; o que veio a calhar para mantê-la em sigilo.

Embora títulos de nobreza não importassem na irmandade, estava certa de que alguns a tratariam diferente se soubessem a verdade. Preferiu o anonimato, ciente de que isso tornaria sua vida mais fácil em muitos aspectos.

O crepitar do fogo capturou a atenção de todos por algum tempo. Era como uma balada envolvente para a qual ansiavam se entregar a fim de escapar da realidade. Mas não podiam fugir dela por muito tempo e necessitavam falar sobre os próximos passos e traçar novos planos.

Fantin resolveu ser a primeira e foi direta, como sempre:

— Se ela descobrir na Cidade dos Eleitos, será pior.

Não se deu ao trabalho de ocultar o desagrado pela situação, assim como acontecia sempre que tocava no assunto. Jamais aceitaria que Marie estava destinada a pertencer àquele monstro.

Quando a grã-mestra lhe contou o que a chegada de Lorde Verne e companhia a Ilha Vitta significava, recusou-se a acreditar. Por um tempo, não teve palavras, e quando elas retornaram à sua garganta, expressou toda a sua indignação de uma forma nada condizente para uma mulher adulta e mestra de uma irmandade que apreciava a paz. Com certeza, surpreendeu Melina quando começou a chorar e, desde essa conversa, não conseguia mais olhar para Marie sem sentir um nó a se formar na garganta.

Não que fossem as melhores amigas, mas tinha um carinho especial pela mestra. E, de certa forma, Marie e Melina eram o mais próximo que tinha de uma família. Sim, a Ordem inteira se via dessa forma, uma grande família; mas no meio de tanta gente, era natural firmar laços mais profundos e estreitos com as pessoas mais próximas no seu dia-a-dia. E, desde que se lembrava, aquelas duas sempre estiveram ao seu lado.

Após as lágrimas e gritaria, veio uma ingrata sensação de traição. Ainda que soubesse que essa não era a realidade. Ao longo daqueles minutos relembrando a conversa que teve com Virnan e outros tantos momentos que presenciou nos anos de convivência, pegou-se a pensar em como a guardiã reagiria ao se deparar com essa verdade, no mínimo, inquietante. Se ela gostava de Marie como demonstrava, descobri-la na Cidade dos Eleitos não seria nada agradável. Não que pudesse ser menos intragável em qualquer outro momento ou lugar.

— Se tem mesmo que fazer essa idiotice de sacrifício, o faça em paz com todos que te amam, principalmente, com ela. — Concluiu.

No fundo, desejava que a guardiã aprontasse das suas loucuras e acabasse por impedir a cerimônia. Mas então, relembrava o que aconteceu com Melina, quase cinquenta anos antes, e as consequências para Caeles. Uma angústia profunda a tomava e se adensava sempre que recordava a sua incapacidade de fazer algo para salvar a amiga.

A princesa abriu os lábios e, em vez de "falar", como desejava, expulsou o ar dos pulmões, afundando a vista nas chamas da fogueira, que jamais seria capaz de alcançar o fogo que queimava em sua alma. Fantin e a tia estavam com a razão, Virnan precisava saber da verdade; o problema era que, em relação a guardiã, nunca conseguiu se preparar para dizer "adeus".

A Ordem: O Círculo das ArmasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora