Tucsianas

229 34 4
                                    


*

Fantin desviou de um galho baixo e, gentilmente, afastou um cipó para que Tamar passasse. Vez ou outra, a mestra loira lançava olhares desconfiados para o caminho que deixavam para trás, depois retornava a atenção para a trilha e as costas de Voltruf, que as guiava.

— Algum problema? — Fantin perguntou para a companheira e apreciou o arquear da sobrancelha castanha.

Os gestos de Tamar, por mais simplórios que fossem, eram carregados de charme. Se Fantin comentasse isso com alguém, certamente ouviria que o amor a fazia vê-la dessa forma. Mas não era verdade. Muito antes de render-se ao amor pela bibliotecária da Ordem, havia notado a delicadeza de seus gestos. Encantavam, mesmo que Tamar fosse alheia a esse poder.

— É engraçado, o céu está claro e o calor é intenso, mas sinto como se estivesse em um dia de chuva.

Fantin jogou os cabelos sobre os ombros, irritada com a trança que se desfazia. Retirou uma folha, que se prendeu aos fios.

— Agora que comentou, tenho a mesma sensação.

Voltruf diminuiu os passos. Fitou as duas por cima do ombro e disse:

— Deve estar chovendo onde as suas irmãs de círculo estão. Vocês ainda não estão habituadas ao laço que as une, então isso deve estar inconstante... Não posso afirmar com certeza, pois nunca vivenciei a experiência que estão tendo. Nosso circulo jamais se concretizou.

Deu um saltinho para ultrapassar uma raiz mais elevada no caminho.

— Você culpa Virnan por isso, não é mesmo? — Tamar indagou.

O espírito lhe estendeu a mão para ajudá-la a subir na raiz, fez o mesmo com Fantin e então prosseguiu. A resposta veio após algum tempo de silêncio, em que ela se dedicou a analisar o caminho. Não era de seu hábito percorrer aquela parte da floresta em volta da cidade, embora a conhecesse tão bem quanto a si mesma.

— Por algum tempo, a culpei. Todos culpamos. — Admitiu.

Uma brisa suave balançou os galhos das árvores em volta e bagunçou seus cabelos, fazendo-a lamentar a morte por um breve momento. Enquanto estivesse dentro do círculo que protegia Flyn, sentiria o vento e outra infinidade de coisas como se ainda estivesse viva, mas nada daquilo era como se recordava. Parecia-lhe suave demais, sem graça.

— Mas hoje penso diferente e sei que também é assim com Joran e Bórian. Virnan tem culpa, sim, mas nós também temos. — Encolheu os ombros. — De qualquer forma, é passado. E de nada irá adiantar nos apegarmos a ele.

Seu tom de voz era cadenciado, tranquilo, como se tivesse refletido um longo tempo sobre este assunto. De fato, tinha mesmo. Sempre que as noites de lua cheia chegavam e ia até a "prisão" de Virnan, quedava-se em discussões internas.

— Você se arrepende de nunca ter aberto o seu coração para ela.

Voltruf se voltou para Tamar e a encontrou com um olhar gentil e compreensivo. Fantin, por outro lado, parecia confusa com a afirmação e decidiu-se pelo silêncio. O espírito da Castir a desagradava. Aliás, todos os espíritos castir lhe causavam essa impressão.

— Nós vivenciamos e compartilhamos nossas experiências passadas no Círculo Castir. É verdade que essas lembranças se foram assim que ele foi encerrado, mas cada uma de nós guardou algo delas. Eu, por exemplo, não consegui esquecer a forma como você e Virnan brigavam, nem como ela se sentia ao encontrar o seu olhar. — Tamar explicou.

Nária sorriu, dando de ombros enquanto o vento soprava seus cabelos para o rosto.

— Não tenho mais arrependimentos, Mestra Tamar. Nem sempre é possível realizar o desejo de nossos corações. Mas, de certa forma, eu realizei o meu após a morte, mesmo que três mil anos tenham se passado até que pude fazê-lo. — Sorriu um pouco mais. — Nem por isso, deixo de me perguntar se as coisas teriam sido diferentes se eu tivesse falado que a amava e engolido meu orgulho e preconceito. Será que teria conseguido fazer os olhos dela brilharem, como acontece quando ela está com Marie?

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now