Vermelho

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*

Virnan apertou-se mais a ela, enfiando o rosto em seu pescoço e perdendo-se no aroma de seus cabelos, enquanto lutava contra a vontade de chorar também. Havia muito tempo não sentia necessidade de derramar lágrimas, talvez porque se obrigou a fingir que algumas verdades não importavam. Doce engano. Cada passo que a levava para mais perto de suas origens, aumentava o peso das culpas que trazia consigo.

— Não está com medo? — Ousou perguntar, após algum tempo.

Marie a trouxe para mais perto, tão perto que temeu reabrir os ferimentos dela. Limpou a garganta, arriscando-se a falar mais uma vez:

— Não, porque sei que você não é aquele que "me" elegeu e aguarda na cidade dos eleitos.

A guardiã se afastou o suficiente para ler a verdade daquelas palavras em seu rosto. A mão se fechou esmagando o cobertor sobre o qual repousavam. Suas feições se tornaram puro tormento e apoiou-se nos cotovelos, deixando uma lágrima vir à tona.

— Transformarei este mundo em um inferno, antes de deixá-lo chegar perto de você!

Marie sentou, enxugando a última de suas lágrimas, enquanto ela completava:

— E se tiver de engolir meu orgulho para isso, o farei.

Fitava a adaga, que repousava sobre as calças dobradas ao lado das botas. Mesmo na escuridão que se adensava, conseguia visualizar suas formas. Aliás, conseguia enxergar tudo à sua volta muito bem. Assim como qualquer auriva, seus sentidos eram muito mais aguçados do que os dos membros de outras castas florinae e outros povos. O que faltava de magia nos aurivas, sobrava em aptidões físicas.

A adaga liberou uma luminosidade suave, como se respondesse ao calor da raiva em suas palavras. E permaneceu assim por algum tempo, permitindo que Marie pudesse lhe admirar os traços coléricos. A princesa abriu os lábios, mas deu-se conta de que já tinha se arriscado demais com as palavras.

"É o meu destino e estou em paz com isso."

A guardiã bufou, preparando-se para abandonar de vez aquele "leito". Contudo, Marie a puxou para si. Naquela parca luminosidade, os olhos dela pareciam quase felinos.

A mestra levou os dedos aos lábios da amada, delineando-os. De uma coisa estava certa, Virnan não tinha ideia do quanto a amava. Encaixou sua boca na dela e a trouxe para mais perto. Não queria discutir verdades odiosas e um futuro negro, nem seus respectivos passados e verdadeiras identidades. Se tinha admitido seus sentimentos, iria aproveitar o momento.

A beijou ardente e voraz. Deslizou as mãos na pele suave, divertindo-se em encontrá-la arrepiada e quase implorou aos deuses que a deixassem morrer naquele instante, afogada naquela bolha de felicidade antes que estourasse e fossem atiradas de volta a realidade. Aumentou a pressão das mãos e dos lábios, sem permitir que Virnan lhe oferecesse resistência — coisa que a guardiã sequer ousou imaginar — e a jogou sobre o cobertor, ansiosa para aplacar os desejos do seu corpo que, estava certa, depois daquela noite só encontrariam fim no dia de sua morte.

Deitou-se sobre o corpo amado, distribuindo beijos, hora delicados, hora exigentes. Seus lábios escorregaram pelo pescoço dela até alcançarem a orelha. Ali, reuniu forças para falar mais uma vez:

— Eu te amo!

Aquela era a única verdade, em relação a Virnan, que lhe interessava.

**

— Parece preocupado, Cavaleiro.

Fenris forçou-se a abandonar a contemplação do vazio para encarar o rosto sério de Alina. Ele lhe sorriu, afável.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now