Azul como o mar

378 58 2
                                    


Virnan fez o cavalo parar por alguns instantes. Girou sobre a sela, erguendo o olhar para as árvores. Tudo estava diferente da época em que percorreu aquelas florestas livremente e as conhecia como as palmas das suas mãos; mesmo assim, situar-se não era difícil, já que os sussurros da cidade de seus ancestrais ficavam cada vez mais audíveis à medida que se aproximavam dela.

Baixou o olhar para a trilha quase invisível em meio a vegetação. Os sinais eram mínimos, mas claros aos seus olhos treinados. Apesar do aparente abandono, alguém se deslocava por ali com frequência e não lhe escapou que a cada metro percorrido em direção à Flyn, uma força invisível os repelia, plantando dúvidas e medos em suas mentes. Prova disso, era a agitação dos cavalos e os semblantes carregados dos midianos. Em contrapartida, as ordenadas aparentavam tranquilidade, o que aumentava o peso das suas certezas.

Fitou a copa das árvores, novamente. Aguçou a audição, mas nada captou além do som de abelhas e alguns pássaros pequenos. Lyla não estava à vista, mas o laço que as unia tornava impossível se desvencilhar completamente de sua presença. Sentia a agitação que a tomava, misturada a ansiedade. Estavam distantes demais para que pudessem conversar e mesmo que estivessem próximas, não havia nada que quisesse lhe dizer naquele momento.

Passou a mão na testa, suspirando. Ainda estava abalada por seu encontro com Zarif e a forma como explodiu com o spectu diante dos companheiros.

Após a promessa que fez em meio ao descontrole, as duas se encararam por um longo e tenso momento, até que a deminara fez uma reverência longa e disse:

— Se é a sua vontade, Castir, então volte para casa e seja a mulher que conheci e com a qual dividi...

Cada vez mais furiosa, Virnan aumentou sua aura mágica. Aquela força assombrosa cresceu entre elas, obrigando-a a tomar a forma animal e partir. Lyla ainda tentou resistir, mas agora era um Spectu e a vontade do Castir imperava.

— Um dia, eles terão de saber, Virnantya. — Sussurrou na mente dela, batendo as asas com força e tomando o rumo das ruínas da cidade de seus ancestrais.

O cavalo relinchou, atraindo sua atenção para o caminho e o fez continuar a marcha. Retirou a espada, que estava atrelada a sela, e começou a decepar os galhos e cipós à frente.

As palavras de Lyla ressoavam em sua mente, como se fossem uma maldição. Sim, um dia eles teriam de saber toda a verdade, mas ao contrário do que o spectu imaginava, não se preocupava com isso, pois a mulher que um dia foi, já não existia. Sim, retornava para a cidade onde nasceu a fim de vestir a pele dela novamente, falaria e agiria como ela, contudo não se sentia mais daquela forma e jamais voltaria a sentir.

Alguns metros atrás, Fantin a fitava, pensativa. Foi no mínimo assustador estar diante do "famoso" dragão que era o companheiro fiel do Cavaleiro Vermelho. Certamente, poderia descrever o sentimento de todos os presentes no lago como puro terror, excetuando Virnan. Quando a possibilidade de uma morte em chamas lhe passou pela mente e buscou estar ao lado de Alina, a guardiã caminhou em direção àquele monstro, o tocou e chamou de "velho amigo", confirmando as suspeitas da grã-mestra de que ela era contemporânea ao Cavaleiro e plantando uma dúvida gigante em suas cabeças.

Afinal, qual era sua relação com ele e por que aquele monstro tinha ido salvá-la e ainda lhe avisar sobre as intenções de seu mestre? A resposta chegou pouco tempo depois e ainda não conseguia acreditar.

Virnan encarou o céu por um longo tempo, se certificando de que Lyla estava mesmo se afastando. O susto do que tinha acabado de ocorrer ainda estava presente em todos e, portanto, ninguém ousava se mexer ou falar.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now