Valesol

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Virnan sentou ao pé de uma escada, bocejando. O dia se iniciava, preguiçoso, e o canto dos pássaros fornecia uma agradável melodia. Foi uma noite longa, assim como a conversa que teve com o tio. Infelizmente, o teor dela não tinha nada a ver com a saudade que sentiam, mas sim com os problemas que o reino enfrentaria em poucos dias.

Massageou o pescoço, enquanto Laio parava à sua frente, passando a mão pelos cabelos úmidos, pelo banho recente. Ele usava roupas negras e limpas; iguais as de qualquer protetor auriva. Mas as braçadeiras de couro, com detalhes em metal, ostentavam o símbolo da família Dashtru, indicando que ele era seu líder, assim como a tatuagem na testa indicava que era um Manir.

— Você podia ter me convocado ao palácio, em vez de vir até aqui no meio da noite para me dar essa missão.

A sobrinha lhe explicou os motivos e ele acabou por concordar que foi uma decisão acertada.

— Entendo. Não há muito o que fazer por aqui, desde que a cidade foi isolada. Todos os dias são tão pacíficos que chega a ser irritante. — Sorriu. — Então, voltamos nossa atenção para essa vida cheia de calmaria e esquecemos o que nos trouxe a ela. Não deveríamos ter feito isso, mas sou apenas um auriva e a minha opinião não tinha valor para quem estava no poder. Sendo assim, dediquei-me à espera do momento em que você regressaria e nos recordaria que essa paz não passava de uma ilusão.

Ela inspirou fundo e soltou o ar devagar, deixando um sorriso cansado delinear seus lábios. Era bom ver que ele não tinha mudado.

— Isso explica porquê você estava na forja no meio da noite.

— Fogo e metal sempre me ajudaram a pensar. — Afirmou.

Agachou-se diante dela.

— Tudo será feito como você pediu. — Garantiu, então sentou ao seu lado. — Eu quis matá-la. Quis arrancar seu coração quando entrou por aquela porta e me disse que não podia seguir junto com o exército. — Apontou para a entrada do pátio, enquanto ela compreendia que falava de Lyla. — A verdade era que eu não dava a mínima para Érion, afinal, não foi ele que "condenou" você à morte. Mesmo quando ela me contou que tudo não passava de uma farsa, minha raiva não diminuiu.

Virnan esfregou os olhos, bocejando novamente. Olheiras profundas se destacavam no rosto, acentuando a percepção do cansaço que externava através dos ombros curvados. Girava uma faca de arremesso entre os dedos longos. A tinha catado de um cinturão recheado de outras iguais a ela na oficina do tio. Sempre preferiu armas pequenas e afiadas como aquela, embora soubesse usar com maestria tudo que pudesse ser considerado uma arma.

— Mas não foi por mim que ela pediu para que ficasse... — Parou de brincar com a faca e mirou a braçadeira do braço direito dele, depois passeou o olhar pelo lugar.

Depois que Érion destruiu Sulitar, o que restou de seus habitantes foi comportado na capital. Aquela casa era muito parecida com a que Virnan cresceu, mas não tinha as mesmas cores, o mesmo cheiro, nem as marcas nas paredes e madeira. Não passava de uma triste imitação e, por isso, lhe trazia uma desconfortável sensação de perda.

Soltou o ar devagar, retornando o olhar para o tio. Os Dashtru eram os mestres criadores do manibut, e se todos os membros dessa família acabassem morrendo além das proteções da cidade, todos os seus segredos se perderiam.

Imaginava que, em algum momento, Lyla podia ter pensando em como ela, Virnan, se sentiria ao retornar para "casa" e não encontrar mais sua família. Mas sabia, perfeitamente, que quando a rainha tomou a decisão de manter Laio em Flyn, não foi por sentimentalismo. Os aurivas formavam a base do exército florinae; eles se dividiam em nove famílias, das quais a mais famosa, respeitada e poderosa era a Dashtru, graças ao desenvolvimento do manibut. Os manir que eles formavam, eram os líderes desse exército auriva; e perder essas pessoas, significava desfalcar as defesas do reino.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now