Portões Abertos

197 31 1
                                    


*

— Eles parecem comuns — disse Lorde Verne, cruzando os braços.

Sentada aos pés de Virnan, Lyla fez um muxoxo. Parecia entediada, mas Verne aprendeu a reconhecer algumas de suas expressões e aquela demonstrava uma profunda preocupação com a batalha que estava por vir. Por outro lado, Virnan exibia um ar inexpressivo, enquanto passava os olhos em um pequeno grupo de Sombras que se reunia na clareira ao pé do penhasco em que os três se encontravam.

Eram batedores.

Havia inimigos que o olhar dela não alcançava, pois se encontravam quilômetros atrás, caminhando entre as árvores milenares. Uma légua ao norte daquele ponto, ficava a primeira barreira mágica que defendia Flyn. Provavelmente, eles conseguiriam ultrapassá-la, diante da farta magia que possuíam. O mesmo aconteceria com a segunda barreira. Contudo, não conseguiriam ir além disso, já que ela e as companheiras de Círculo reforçaram as demais proteções.

Lorde Verne esperou que alguém respondesse ao seu comentário, mas as duas florinae pareciam muito propensas ao silêncio, o que estava irritando-o demasiado, desde que saíram da cidade. As ordenadas haviam retornado para Flyn três dias antes, trazendo nos corpos o cansaço e as marcas da batalha que travaram, além de um profundo pesar pela "derrota" sofrida ao tentarem recuperar Zarif.

Verne observou Virnan por um momento, então cofiou a barba e perguntou:

— Você está bem? — Tinha protelado essa pergunta pelo máximo de tempo possível, mas já não conseguia resistir à necessidade de fazê-la. Principalmente, depois que Tamar narrou, na noite anterior, o que aconteceu em Valesol com riqueza de detalhes.

Achou que seria ignorado de novo, contudo ela respondeu:

— Naquela estalagem, em Bantos, quando você estava remoendo a raiva e dor pela perda de seus homens, eu lhe disse algo duro e cruel. — Ela cerrou os punhos, mirando-o rapidamente e tornando a se concentrar nos inimigos.

O lorde recordou as palavras ditas ao que lhe pareceram décadas atrás, com um nó a se formar na garganta. Ele sequer conseguiu definir para si mesmo quais sentimentos causaram aquela reação em seu corpo, mas compreendia bem o que se passava com a guardiã.

— Minha mãe as falou para mim, um pouco antes de morrer. — Virnan revelou, então fez uma pausa, deixando que o lorde absorvesse o peso disso.

Ela escorregou a mão pelo capuz da túnica, jogando-o para trás, então continuou a falar com voz tão baixa que, por vezes, parecia um sussurro:

— Na época, minhas responsabilidades não podiam ser comparadas as que tenho hoje. Contudo, repeti essa frase centenas e centenas de vezes ao longo da minha larga vida. — Aspirou o ar gelado daquele fim de tarde, devagar. — Eu sou uma líder, Badir. Preciso tomar decisões e atitudes para proteger não apenas o meu povo, mas um mundo inteiro. Então, não tenho tempo para sentir pena de mim mesma; não posso me entregar as dores e ao choro. Se sobrevivermos a isso — apontou para os guerreiros na clareira — o tempo das lágrimas e lamentações virá. Até lá, viverei o tempo do ódio e do desejo de vingança.

O vento soprou forte à volta deles. Lyla escorregou a mão sobre a rocha na qual sentava, deixando-se vagar pelos sentimentos da irmã. O que ela havia acabado de falar, foi pronunciado sem nenhuma emoção e era quase isso que lhe chegava através do laço que as unia: nada. Era como se a guardiã tivesse perdido o viço e morrido por dentro.

Essa impressão a tomou várias vezes ao longo dos últimos dias e sempre que tentava puxar assunto com Virnan à respeito, ela a ignorava ou cambiava o tema rapidamente. Era assim na maior parte do tempo, mas a guardiã da Ordem voltava a normalidade de sentimentos conflituosos, quando estava com Marie e as companheiras de círculo.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now