Assassino

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*

Os primeiros raios de sol da manhã, se infiltravam no quarto e estendiam-se pelo chão até tocar a cama em que Marie e Virnan repousavam. Junto com eles, uma adorável brisa trazia o aroma das flores nos jardins do palácio.

A mestra tinha acordado havia algum tempo e aninhou-se ao corpo da esposa, entregue a letargia do sono recente. Estava feliz como nunca imaginou ser. Apesar da confusão em que se encontravam, das possibilidades dolorosas de um fim trágico para elas e o mundo que habitavam, não podia e nem queria abster-se daquela alegria.

O ritual tinha sido assustador e surpreendentemente belo. De alguma forma, elas se tornaram "uma" naquele momento e jamais encontraria palavras para retratar as sensações que lhe tomaram. Talvez a melhor definição fosse a que Fantin usou quando descreveu sua própria experiência. Era como se, durante toda a vida, estivesse incompleta e, naquele momento, isso tivesse chegado ao fim.

Cerrou os olhos e o cheiro de relva penetrou suas narinas quando enterrou a face nos cabelos de Virnan. Nunca se cansava de sentir o aroma, que jamais a abandonava. Beijou-lhe a nuca e sorriu para si mesma.

— Posso me acostumar com isso e você estará "condenada" a me acordar sempre desta forma, Mestra. — Virnan sussurrou com voz rouca. Pressionou as costas contra o corpo dela e, com outro sussurro, um círculo tomou forma em seu braço e Marie teve a segurança para falar sem temer machucá-la.

— Achei que estivesse dormindo. — Enlaçou sua cintura, grudando-se um pouco mais a ela.

— Era o meu desejo, mas há algum tempo que estou desperta. É um pouco difícil repousar com Lyla tagarelando na minha cabeça.

Estalou os lábios, brincando com a ponta do lençol.

— A última vez em que ela ficou tão zangada, acabei levando um tapa na frente de uma centena de soldados. — Bufou com a lembrança, mas acabou sorrindo em seguida.

— Imagino o que deve ter feito para que ela perdesse aquela calma irritante. Vocês são tão parecidas, que chega a ser assustador. — O riso de Virnan aumentou. — Sei que você deve ter nos mostrado esse episódio durante o ritual, mas não consigo recordar.

Virnan acariciou a mão em sua cintura.

— É natural. Pelo menos, é o que nos ensinaram no Templo Castir. Imagine o quão desgastante seria se conservássemos as lembranças alheias. Chegaríamos em um ponto em que nossas próprias lembranças iriam se misturar e acabaríamos por caminhar em direção a loucura. De certo modo, é um pouco parecido com o que me aconteceu quando ressuscitei àquelas pessoas, no passado.

— Entendo. Mesmo assim, ainda me recordo de algumas coisas que vi nas suas e nas lembranças das outras.

— Essas são suas próprias lembranças da experiência que compartilhamos. São coisas que se fixaram em sua mente, coisas que acredita serem importantes sobre nós.

Marie afundou o rosto no pescoço dela e distribuiu beijos miúdos pelo local. A mão deslizou pelo braço dela e parou sobre o círculo brilhante nele. A tristeza ganhou força em sua voz:

— Adoraria poder conversar com você, desta maneira, sempre.

Virnan voltou-se para ela e sentou os lábios nos seus, demonstrando todo o seu carinho.

— Eu amo a sua voz. Amo tudo em você. Claro que também adoraria isso, mas a verdade é que não me importo de não ouvi-la, desde que esteja ao meu lado e sempre demonstre seus sentimentos através do seu olhar.

— Isso tudo parece um pesadelo que se tornou um adorável sonho.

— Infelizmente, amor, ainda estamos no meio desse pesadelo.

A Ordem: O Círculo das ArmasWhere stories live. Discover now