3. Fase I - Yoshiwara

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Notas da autora: Você encontra o significado das palavras marcadas com asterisco (*), assim como de todos os sufixos usados (ex: -dono, -sama) em Glossário & Honoríficos.

Acesse o link da pasta de Kurushimi no pinterest para ver as referências visuais de personagens secundários, principais e cenários desse e de outros capítulos na minha bio

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Tóquio, Distrito de Yoshiwara – 8 de novembro de 1868

Ano 1 da Era Meiji, 1 dia após a invasão Haruno.


A escuridão havia desaparecido.

Em seu lugar, uma claridade esgueirava-se através das fendas das cortinas de bambu que encobriam as janelas; pequeninos grãos de poeira reluziam no feixe de luz, pairando na atmosfera como vagalumes. Letárgica de um recém despertar, ela prolongou a estadia na maciez do colo da irmã mais velha, sentindo ali uma quentura tão aprazível que precisou piscar diversas vezes para relutar contra a incitação de um segundo adormecer.

Ao lado de fora, uma profusão de ruídos acrescia a cada minuto, fazendo vibrar as paredes da liteira. Dotada de uma curiosidade infantil, a pequena sentou-se no banco estofado e curvou-se para frente, esticando o braço para espiar através da janela. Usando os dedos minúsculos para afastar a tela, ela mordeu os lábios para controlar o suspiro de admiração que quase escapara por reflexo ao vislumbrar a paisagem.

Era a primeira vez que saia de Satte, sequer tendo noção de que existiria algo tão grandioso além das muralhas de sua terra natal. Por isso, foi inevitável abrir a boca em surpresa ao encontrar-se diante de portões escarlate que abriam-se para ruas largas e sinuosas com edificações de madeira tão altas que pareciam tocar o céu, cada uma delas ornadas por cortinas coloridas, telhas envernizadas e lanternas vermelhas de crepe que sucediam-se até onde sua vista alcançava.

Perdidamente absorta naquele mundo tão destoante do cenário repleto de florestas e colinas do interior, Sakura ergueu-se ainda mais de seu assento, puxando a cortina para o lado, quase colocando a cabeça para fora da janela a fim de ter uma visão completa da cidade, limitada por aquelas paredes sufocantes do pequeno transporte. Mas ao ouvir o som suave das vestes de Chiyo movendo-se contra o banco, aprumou-se de volta em seu lugar e suspirou, assustada.

Abençoada por uma ingenuidade intrínseca à sua pouca vivência, ainda não era capaz de compreender a dimensão dos acontecimentos que pareciam desenrolar-se sem freios ao seu redor. Sua irmã, agora a única reminiscência de sua vida anterior, tampouco estava disposta a explicar-lhe o porquê estava tão amedrontada ou o motivo de ter chorado, gritado e perdido o fôlego ao longo de todo trajeto, adormecendo somente quando as forças para lutar haviam se esvaído.

Recordava-se de ser convocada por seu avô na sala onde anunciara sua partida e a felicitara por seu novo futuro, de sua tutora animadíssima com a notícia, de sua mãe e irmã parecendo mais desconsoladas do que nunca, e de adormecer, pela primeira vez em tanto tempo, no colo da matriarca. O resto era fragmentado e nebuloso como tentar lembrar-se de um sonho antigo: o jardim frio, Chiyo escondendo-a atrás das próprias pernas quando gritou pela mãe e aquele homem de olhos âmbar a fitá-la tão atentamente.

Então um daqueles soldados altos e de roupas estranhas carregaram sua irmã colérica enquanto outro guiava-a rumo aos portões, as mãos grandes espalmadas em suas costas, a impedindo de olhar para trás. Agora, ao virar o rosto para sondar a face adormecida de sua irmã, enxergando ali os traços úmidos das lágrimas que não haviam secado, perguntou a si mesma o que haveria ocorrido para feri-la com tanta intensidade.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Where stories live. Discover now