24. Fase II - Murata

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Tóquio – 15 de agosto de 1877

Ano 10 da Era Meiji


Aos oitenta anos, o oyabun – Saito Fumihiro – não tinha herdeiros.

Ao longo de quatro casamentos, fora abençoado com muitas filhas amáveis e bonitas, mas nenhum filho para liderar a ninkyō dantai após a sua morte. Embora amasse incondicionalmente cada uma de suas meninas, a ausência de um homem para proteger os interesses de sua família pesava cada vez mais, sobretudo em sua avançada idade.

Os casamentos frutíferos de suas filhas certamente beneficiavam a organização. Graças a elas, operam nos âmbitos mais importantes da capital sem a indesejável interferência política e militar que afligia outras famílias mafiosas do país. No entanto, nenhum de seus respectivos esposos eram aptos ou confiáveis o bastante para ocupar o cargo em seu lugar.

O nascimento de seu único neto o enchera de esperança, mas não aliviou o medo. No outono, a criança completaria seu primeiro ano de vida e levaria décadas até que estivesse pronto – se estivesse – para administrar a organização.

Como se tal preocupação não fosse o suficiente para tirar-lhe o sono, há um mês fora diagnosticado com tuberculose. E antes mesmo que pudesse informar seu conselheiro e os membros de confiança sobre suas pretensões para o futuro, Fumihiro descobrira que a notícia havia se espalhado para outras famílias que sempre estiveram interessadas em seu território.

Sabendo como uma possível guerra desequilibraria as estruturas hierárquicas da ninkyō dantai, Fumihiro nomeou seu wakagashira, Ichi, para comandar seus homens em seu lugar até que a situação se estabilizasse. No entanto, às vésperas de um importante festival, foram incapazes de controlar o fluxo de entrada de visitantes no porto da cidade e coubera aos kyodai – seus soldados acima dos quinze anos – a importante tarefa de identificar e vigiar os membros de outras famílias que, possivelmente, aproveitar-se-iam da situação para se infiltrar na capital.

O cansaço e o estresse pairava sobre cada um daqueles rapazes. Enquanto se cansavam em incessantes diligências, expostos dia e noite ao risco da morte e às mudanças climáticas, os integrantes da alta hierarquia refugiavam-se no casarão, sossegados, bem-alimentados e protegidos por centenas de homens dispostos a arriscarem suas próprias vidas para protegê-los.

Acostumado àquele tipo de trabalho, Uchiha Sasuke não se importou muito com as avarias da situação. Ao contrário dos outros, não os enxergava como sua nova família, tampouco desejava se tornar um membro vitalício; estar ali era somente um pequeno obstáculo que, à contragosto, fez-se necessário para ter acesso à localização exata de seu maior inimigo:

Itachi.

Havia conservado sua figura em tal grau de repulsa que a mera pronúncia de seu nome ganhara um novo tipo de poder: deixava um gosto amargo na ponta da língua, reverberava um pujante desejo de vingança e evocava os clamores desesperados de homens, mulheres e crianças que, subjugados pelo filho-prodígio de Fugaku, não tiveram chance de se defender.

Inegavelmente o amara um dia.

A ponto de adoecer em sua ausência, quando acompanhava o pai em suas viagens, sôfrego para ser reconhecido e acolhido em mesma intensidade. Amou-o como um ídolo, um deus, um samurai, um símbolo absoluto de honra e coragem. Em mesma intensidade, o sentimento deu luz ao ódio, sequestrando toda sua devoção, se alimentando de si até que não lhe restasse mais nada. Nada, além de dor e escuridão.

Ao longo de nove anos, o órfão, o prisioneiro, o escravo, o assassino, o aprendiz, o ronin e o yakuza haviam trilhado a mesma jornada, vivido a mesma experiência miserável apenas para alcançá-lo; para olhar nos olhos do assassino de seus pais e conceder-lhe o mesmo grau de sofrimento.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Where stories live. Discover now