30. Fase II - Mimamoru

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Mimamoru: vigiar, atentar-se.

Dica: não esqueçam de consultar a linha do tempo para compreensão das datas :)


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Tóquio, Lótus Celeste – 17 de agosto de 1877

Ano 10 da Era Meiji


Rosas vermelhas, lírios brancos e lavanda.

Ao entrarem em contato com o calor do ofurô, os óleos odoríferos evaporaram em uma neblina que flutuou até o teto revestido em bambu, preenchendo o lavatório particular com uma fragrância tão floral e intenso que beirava ao sufocante. Nas paredes, gotículas de umidade escorriam nas linhas verticais dos rejuntes e se acumulavam no chão em pequeninas poças perfumadas.

Sobre a água, pétalas carmesim flutuavam.

Como amantes saudosas, agarraram-se à pele da herdeira, contrastando com a palidez dos ombros, seios e com a longa perna inclinada sobre a borda. Seus cabelos rosáceos pendiam para fora da banheira, tão longos que alcançariam o chão, não fosse pela criada sentada logo atrás, apoiando-os em seu colo molhado para pentear cada mecha com tamanho esmero que o pente fino tremulou em seus dedos.

À direita, havia outra.

Mergulhava um pequeno lenço de algodão em um balde repleto de água e sabão, passando o tecido abaixo das unhas longas, querendo garantir que nenhum resquício de sujeira ousasse permanecer ali. E o fizera com tanta minúcia e por repetidas vezes que a menina pôde sentir a pele abaixo delas descolar e arder.

Aquele exacerbado processo de limpeza tivera início ao amanhecer, quando as mulheres entraram em seu quarto, acordando-a e despindo para que pudessem banhá-la, esfregando cada centímetro de seu corpo até que a pele estivesse vermelha e sensível, enxaguando-a em água gelada para então submergi-la em outra, quente demais, que praticamente a queimava.

E nenhuma palavra de protesto fora o bastante para suprimir o desespero de sua mãe. Tão obcecada em eliminar os vestígios da vida mundana de sua herdeira imaculada, quis submetê-la à sua própria interpretação de um ritual xintoísta de purificação. Sua obsessão não somente ocasionou um cansaço emocional e físico na atotori, mas como em si mesma, destituindo-a de sua imagem honrosa e transformando-a em uma mulher delirante.

Enlouquecida, ordenou que incinerassem o kimono ensanguentado e carregou as cinzas ao pequeno templo localizado no jardim, ofertando-as à Benzaiten – a deusa das artes e padroeira das gueixas – em um agradecimento pela proteção de sua filha, mantendo-se de pé diante do altar ao longo do dia inteiro até que suas pernas falhassem.

Nos dias que se seguiram, as criadas de Lótus Celeste entraram e saíram de cada ambiente, encerando o chão, abrindo portas e janelas para que as impurezas trazidas do mundo dos homens fosse completamente eliminada; nos corredores, incensos de cheiros ácidos foram acesos para purificação mental e espiritual e como se a contaminação de sua filha se estendesse a todas as outras moradoras, foram obrigadas a abdicar da carne vermelha para limpar o corpo.

Quando as duas empregadas se levantaram pela sexta vez em um aviso subentendido de repetir o doloroso processo, Sakura suspirou, exausta. O choque térmico do banho quente e gelado, a neblina excessivamente perfumada e a privação de alimentos a deixara zonza e enjoada.

— Sakura-sama... — A criada estendeu a mão para ajudá-la a descer, dando-lhe um sorriso gentil. — Será a última vez.

Aérea, a maiko aquiesceu.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Where stories live. Discover now