5. Fase I - Dragão Vermelho

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Tóquio, Distrito de Yoshiwara – 8 de novembro de 1868

Ano 1 da Era Meiji, 1 dia após a invasão Haruno.


Quando a lua reinava nos céus, Yoshiwara despertava.

Viva e pulsante como as entranhas de um ser, toda a calmaria que se prolongava ao longo do dia enfim desaparecia, dando espaço para uma euforia que se extinguiria somente ao amanhecer.

Mulheres rodopiavam suas saias, envolvidas em camadas de seda colorida que expunham os pescoços sob golas profundas, gargalhando e piando como passarinhos. Simples trabalhadores de pele bronzeada, nobres de tez alva e estrangeiros de cabelos dourados caminhavam por aquelas ruas, intrigados, desorientados e seduzidos por aquela imensa variedade de mulheres estonteantes que os convidavam a cada metro cruzado, capturando-os como presas fáceis antes que chegassem ao fim da Avenida Vermelha.

O perfume delas misturava-se às fragrâncias de polvo grelhado, peixe fresco e legumes ao vapor dos restaurantes, aos incensos queimando e velas derretendo, ao saquê quente dos ochaya*, ao cheiro de suor e sexo, tão intenso nos corredores de cada bordel. E havia uma música nova a cada metro percorrido, uma língua diferente sendo pronunciada, um aroma peculiar ondulando na atmosfera, uma sensação única enchendo o peito: prazer, mal-estar, desejo, apatia, as emoções mais contraditórias que envolviam e assombravam cada visitante, pois tudo no bairro proibido – do cheiro à paisagem – era projetado para encantar e destruir.

E em meio ao turbilhão urbano estava Dragão Vermelho.

Destoante aos ruídos externos, em seus longos corredores ornados com painéis cor-de-sangue, o silêncio dominava em absoluto, cada quarto protegido por três sucessões de portas coloridas que abafavam os sons de gargalhadas e gemidos de prazer. A confidencialidade, no entanto, era uma mera ilusão: mulheres velhas, já aposentadas de suas profissões, encostavam os ouvidos nas paredes para garantir que o serviço estava, de fato, sendo realizado.

Quando uma dessas portas fora arrastada para o lado, saiu de lá uma cortesã exalando um perfume vulgar de flores. Ao seu lado, uma menina mais jovem - mera aprendiz - tentava arrumar seu traje requintado, um kimono vermelho-cereja que brilhava dos punhos à bainha. O rosto era uma máscara branca e lisa, os cabelos eram rubros como sangue, presos em um coque brilhante enfeitado por dezenas de alfinetes dourados.

Sendo o tempo um fator determinante para ganhar dinheiro, ela impacientemente puxou as camadas de seda das mãos de suas assistentes e bateu com as palmas na saia até que os amassados no tecido houvessem desaparecido. Com a cabeça inclinada para baixo, vasculhou a própria roupa em busca de imperfeições e respirou fundo, aprumando-se para seguir seu caminho.

Atravessou os corredores sinuosos acimados por lanternas de papel escarlate que irradiavam uma luz difusa, intensificando a coloração de sua roupa e cabelos. Vermelha da cabeça aos pés, parecia quase uma chama incandescente, fazendo jus ao título de cortesã de fogo, a oiran* mais famosa de Yoshiwara.

E conforme aproximava-se da entrada, prestes a sair para seu encontro com um importante cliente, ouvira gritos femininos rasgando a quietude típica – e exigida – de Dragão Vermelho que a fez interromper o passo e apertar as sobrancelhas.

Era comum que vez ou outra existissem discussões no escritório da dona do bordel, sendo aquele um trabalho extenuante para muitas, sobretudo as mais novas. Em seus anos de experiência, assistira muitas meninas entrarem por aquela mesma porta e saírem na esperança de uma vida melhor ou tolamente apaixonadas, retornando meses depois, pois acostumadas demais com a vida confortável de festas cheias de comida e bebida, roupas de seda e dormir o dia todo, não suportavam a realidade de uma simples esposa.

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Where stories live. Discover now