16. Fase II - Ronin

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Notas da autora: Você encontra o significado das palavras marcadas com asterisco (*), assim como de todos os sufixos usados (ex: -dono, -sama) em Glossário & Honoríficos.

Boa leitura!



Kagoshima, Sul do Japão – 23 de dezembro de 1876

Ano 9 da Era Meiji


O sol cumpriu sua rota sobre o Pacífico e pôs-se atrás do vulcão Sakurajima. No porto, as águas avermelharam-se e o céu deu os primeiros indícios de escurecer, tingindo a neve que encobria as ruas e as telhas do centro da cidade com matizes de púrpura e laranja. Com a proximidade do anoitecer, um vento mais rude e gélido soprou entre as casas, carregando consigo um cheiro ácido de excremento humano que o fez torcer o nariz.

"Cidade de merda".

Esse era um dos incontáveis motivos pelos quais odiava Kagoshima, pensando em como a visitava com mais frequência do que gostaria. Em Yoshiwara, as mulheres tinham fragrância de flores, o saquê era mais suave, o chá mais quente, e a comida era incomparável. Ah, a comida! Boa comida e boas mulheres, sentia falta de ambos, não encontrando nenhum naquele fim de mundo que, ao contrário da moderna e gloriosa Tóquio, ainda parecia um antigo feudo.

Sentado diante de uma mesa baixa de um restaurante, que mais lhe parecia um barraco de madeira prestes a despencar, tentou mastigar aquilo que diziam ser a especialidade regional: takoyaki, embora a textura dura do polvo malcozido o deixasse enojado e insatisfeito, recusando-se a tentar comer outro pedaço daquela porcaria. Uma cidade de pescadores estragando a preparação de um molusco era a prova final de que tudo ali era uma grande merda.

E enquanto virava o copo de saquê – frio e de péssima qualidade – para limpar o sabor estranho da refeição, capturou um movimento provindo dos fundos do restaurante e notou como um grupo de aproximadamente oito homens o encarava de outra mesa. Baixou a mão e decidiu retribuí-los, puxando as mangas do haori para expor os antebraços completamente tatuados, uma mensagem clara o bastante para fazê-los desviar o olhar.

Seus caipiras do caralho – murmurou, irritado.

Em Tóquio, algo assim jamais ocorreria.

Na capital, era tratado sempre com respeito e cordialidade aonde quer que fosse, embora muito disso estivesse mais relacionado ao medo de sua reação com que propriamente uma consideração à sua pessoa. Ora, mas isso não importava. Era um homem que valorizava as cortesias e hierarquias das relações interpessoais, considerando o ato de encarar sem cumprimentá-lo ou conhecê-lo, algo terrivelmente grosseiro.

Compreendia que sua aparência chamava atenção em um lugar como aquele, pois ao contrário dos outros homens, que preservavam a cabeleira – seja ela longa ou curta –, gostava de raspar a cabeça com uma navalha diariamente, preservando somente uma vasta e sedosa barba negra; e tatuagens coloridas tomavam-lhe o corpo inteiro: do pescoço aos dedos do pé. Como se não bastasse, vestia o haori azul-marinho sobre o kimono, com um grandioso e chamativo escrito em branco nas costas:

任侠団体Ninkyō dantai*

Era um membro orgulhoso da família, o braço direito do líder, e não deixaria de expor quem era por um bando de pescadores que nunca sequer havia colocado um pé para fora daquela vila decrépita. De fato, achava muito bom que soubessem todo o peso daquelas tatuagens e a dimensão do perigo que colocar-se-iam acaso ousassem brigar com ele. "Mas do jeito que as pessoas em Kagoshima são burras, eu deveria tatuar 'Yakuza*' na minha testa".

Kurushimi - A Gueixa e o Samurai (SENDO TRANSFORMADA EM LIVRO)Where stories live. Discover now